Em meia dúzia de semanas fui duas vezes ao cinema (ena, ena, que fartura) ver duas fitas mais ou menos biográficas: J. Edgar, de Clint Eastwood, sobre o criador e patrão do FBI, com Leonardo DiCaprio no protagonista, e The Iron Lady, de Phyllida Lloyd, acerca da primeira-ministra britânica, interpretada por Meryl Streep.
Os pontos mais fortes do primeiro foram, para mim, a história, a recriação dos ambientes, o que me ensinou sobre o FBI e Hoover; do segundo uma certa visão de autor e a fotografia. Em ambos é notável o trabalho dos actores principais, mas na perspectiva da linguagem corporal é evidente que DiCaprio estudou e copia os tiques de Hoover, enquanto Streep se transforma praticamente na sua personagem. A caracterização em The Iron Lady é muito superior à de J. Edgar, o que talvez ajude, mas Streep está, sem dúvida, noutro campeonato.
Entretanto, saí de The Iron Lady bastante deprimida. Ultimamente a velhice preocupa-me, não por ela mesma mas porque para algumas (muitas?) pessoas é uma época sem projectos nem objectivos, em que se passa o tempo à espera de morrer. Há quem não se reforme por medo disso mesmo. Começa a parecer-me que não se deve concluir o que se planeou fazer na vida senão muito, muito tarde.
Será possível que um dia eu me retire da vida como um conviva saciado que se retira de um banquete? Ou terei sempre a mesma sede, a mesma fome, o mesmo desejo dos momentos e dos dias?
Sophia de Mello Breyner Andresen, Os Três Reis do Oriente, in Contos Exemplares, Lisboa, 1962
Os pontos mais fortes do primeiro foram, para mim, a história, a recriação dos ambientes, o que me ensinou sobre o FBI e Hoover; do segundo uma certa visão de autor e a fotografia. Em ambos é notável o trabalho dos actores principais, mas na perspectiva da linguagem corporal é evidente que DiCaprio estudou e copia os tiques de Hoover, enquanto Streep se transforma praticamente na sua personagem. A caracterização em The Iron Lady é muito superior à de J. Edgar, o que talvez ajude, mas Streep está, sem dúvida, noutro campeonato.
Entretanto, saí de The Iron Lady bastante deprimida. Ultimamente a velhice preocupa-me, não por ela mesma mas porque para algumas (muitas?) pessoas é uma época sem projectos nem objectivos, em que se passa o tempo à espera de morrer. Há quem não se reforme por medo disso mesmo. Começa a parecer-me que não se deve concluir o que se planeou fazer na vida senão muito, muito tarde.
Será possível que um dia eu me retire da vida como um conviva saciado que se retira de um banquete? Ou terei sempre a mesma sede, a mesma fome, o mesmo desejo dos momentos e dos dias?
Sophia de Mello Breyner Andresen, Os Três Reis do Oriente, in Contos Exemplares, Lisboa, 1962
6 comentários:
Gi,
faz bem, devemos pensar na velhice a tempo para tomar decisões de que não nos venhamos a arrepender.
Em geral, as pessoas que se reformam perdem socialização, voltam-se mais para a família - haverá netos, talvez... ou idosos a precisar de nós... - ou para projectos individuais - escrever, pintar, redecorar, viajar... blogar...por isso, discordo que seja uma vida sem projectos nem objectivos.
No meu caso, optei por sair do activo mais cedo porque era a vida profissional que já não tinha para mim objectivos nem projectos estimulantes. Tudo me parecia desinteressante e excessivamente urgente. E acho que até rejuvenesci um pouco, talvez porque com tanto tempo (que optimismo!) livre pela frente sinto que os meus objectivos não têm pressa, os meus projectos são para desfrutar devagarinho. E isto eu nunca tinha tido!
Não tenha medo da velhice ou da reforma, Gi. Nem se aflija com projectos. Verá que justamente "não se aflijir" é uma das coisas boas que vêm com a idade.
Não penso muito nisso mas acho que encontraria sempre algo para me entreter. Nem que fosse tudo aquilo que levo os dias a suspirar por fazer e que não faço por falta de tempo.
Acho que só em casos raros é que se perde a vontade de viver!
Mário, eu não disse que a falta de objectivos era geral! Mas há gente assim, a ver passar o tempo, e eu não quero estacionar aí.
Luisa, eu também terei com que me entreter, mas se forem rotinas e não evoluções, serão só maneiras de passar o tempo.
Mfc, a tua maneira de olhar o mundo, encontrando o insólito e a beleza em cada canto, denunciam o teu gosto pela vida.
Felizmente para ela, Sophia (tanto quanto me foi dado conhecer) saiu da vida com muita serenidade.
João Afonso, é a melhor forma de sair.
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