terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Do poder de uns homens sobre os outros

Vi recentemente dois filmes que lidavam com os direitos civis (ou a falta deles) dos negros americanos, 12 Years a Slave e The Butler.

O primeiro conta a história de um negro livre, nascido e criado em Nova Iorque em meados do século XIX, educado, profissional respeitado, com família, que é raptado e vendido como escravo num dos Estados sulistas. Durante doze anos aquele homem faz o que pode para sobreviver, confrontando-se com patrões, capatazes e outros escravos melhores e piores, mas convencidos de que os homens não são todos iguais e uns têm por lei humana e divina direito de propriedade absoluta sobre outros.
O segundo passa-se no século XX. O protagonista nasceu numa plantação de um Estado do sul, onde os negros já não são escravos mas são tratados como tal. Procura melhor vida viajando para norte e é contratado como criado (chamam-lhe mordomo, mas só de nome) para a Casa Branca. A sua vida e a da sua família correm ao longo dos anos desde a presidência de Eisenhower à de Reagan e por aí fora, já reformado, à de Obama. Ao longo desses anos ele mantém-se afastado das lutas pela integração racial, mas o seu filho mais velho torna-se activista nelas.

De ambos os filmes se pode dizer que acabam bem, o que para mim já vai sendo importante. Como dizia o meu avô, amarguras, só as da vida. Mas ambos põem questões que parecem não desaparecer ao longo da história da humanidade, e que se resumem ao paradoxo de alguns se considerarem superiores a outros (cristãos, não-cristãos, negros, judeus, homossexuais) e por isso com o direito de maltratar estes últimos. Paradoxo porque me parece que, mesmo que isso fosse verdade e houvesse grupos "inferiores" por terem menor capacidade física ou intelectual, deveriam ser acarinhados e protegidos, como devem ser acarinhados e protegidos os mais fracos, sejam velhos, crianças, doentes ou inclusivamente os animais.

Continua válido o provérbio que outro dia me citaram: para veres o vilão, põe-lhe o pau na mão. Agora que estão na ordem do dia as praxes académicas (ver os posts da Helena sobre o tema), a única diferença parece ser a aparente anuência das "bestas" na sua própria bestialização.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Estrelas no S. Carlos

Sobre a maneira como decorreu o concerto do dia 19 de Janeiro no Teatro S. Carlos pode ler-se este post do Valkirio.
Em resumo, a casa estava praticamente cheia, as peças foram bem escolhidas e bem interpretadas, e ficámos muito contentes por ter ali no piano Artur Pizarro e na direcção da orquestra da casa Joana Carneiro, quando duas semanas antes ninguém sabia ao certo o que ia acontecer.

É sempre para mim um prazer ver Pizarro tocar, porque ele tem com o piano uma relação especial: vê-se que gosta do instrumento e acho que este, se tivesse sentimentos, também gostaria dele. Na Fantasia Coral de Beethoven essa atitude transmite a ideia de um Beethoven brincalhão, que começa a compor ao piano numa postura de vamos ver o que sai daqui, continua como hoje até estou bem-disposto, sai uma à moda de Mozart e a certa altura tem um repente, já chega, eu não sou Mozart, sou Beethoven, junta-lhe a orquestra, oh alegria, e segue por ali adiante com aquele ímpeto, com aquela emoção, e no fim acrescenta um coro heróico (muito bem, o Coro do S. Carlos) e acaba com um eh lá, tenho aqui matéria para mais uma sinfonia!

As outras peças foram Before Spring - a tribute to the Rite, de Luís Tinoco, inicialmente composta como uma espécie de abertura para ser tocada antes d'A Sagração da Primavera de Stravinski, naturalmente por ela influenciada na linguagem e na tensão e muito mais agradável ao ouvido do que eu previa, e a 6ª Sinfonia (Pastoral) de Beethoven.

Dei-me conta que conheço muito melhor as sinfonias ímpares de Beethoven do que as pares. Talvez haja uma boa razão para isso, mas se a sexta não me entusiasma (ainda) tanto como a sétima ou a nona, tem também características que para mim são tipicamente beethovenianas, os múltiplos temas cada um pelo menos tão bonito como o anterior, as re-exposições, os momentos surpresa como quando os violinos fazem o acompanhamento e a melodia principal é tocada pelos violoncelos e contrabaixos... Só ele, não?

Joana Carneiro, que eu só tinha visto ao vivo já há uns anos no Auditório Municipal de Lagos, conduz com vivacidade e entrega, com gestos largos, debruçada para a orquestra que lhe responde gostosamente.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Relacionamento insustentável

Ele diz: Sempre te quis bem. Lembra-te de todas as vezes que te ajudei.
Ela responde: Estás outra vez a cobrar-me o que fizeste.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Temporal

Chove-me em cima o mundo. Que canseira!
Tenho uma longa viagem por diante
E esta tarde a Via do Infante
Mais que estrada parece uma ribeira.

A água cai como paredes lisas
As árvores vergam ao chicote do vento
Relâmpagos estilhaçam o céu cinzento
Estão no máximo os limpa-pára-brisas. 

Felizmente o casaco tem capuz
Que o guarda-chuva (nem sei onde o pus)
Num dia como este vale zero.

Aumento o som do rádio e assim tempero
Trovões e ansiedade. Já só quero
Chegar a casa enquanto ainda há luz.


Nota: hoje não houve temporal digno desse nome, mas de vez em quando há cada um que quem só conhece o Algarve no Verão não imagina.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Claudio Abbado

Imagem DN

Há poucos dias ouvi, julgo que na rádio, que a Orquestra Mozart, fundada pelo maestro Claudio Abbado, estava com graves dificuldades financeiras e ia suspender a sua actividade. Não me dei conta então de que a doença do fundador era um factor nessa situação.
Hoje ouvi a notícia da morte do maestro Abbado e fiquei triste. Li a tristeza nos comentários dos blogues. Perguntei-me como terão ficado os músicos daquela orquestra e de outras que ele criou e/ou dirigiu.

Volto a ver as gravações em video que permitem apreciar a elegância dos gestos. Descubro outras em que partilha o seu entendimento da música. Recordo a sua força e a sua fragilidade.

Já nunca o verei dirigir ao vivo.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Morreu Eusébio

Admito que não gosto tanto de Eusébio como os benfiquistas. Naturalmente, não aprecio a sua atitude para com o clube que o descobriu, e tenho pela sua recusa* em marcar golos contra o Benfica, quando jogou num clube adversário, um sentimento ambivalente. A seu respeito, contavam-se diversas anedotas: que não jogava com a cabeça mas de cabeça, ou que os seus mariscos preferidos eram os tremoços.

Por outro lado, se nunca o vi jogar em campo vi-o com certeza na televisão e faço de boa vontade coro com aqueles que o declaram um dos verdadeiramente grandes jogadores de futebol da sua época; alguns dos seus golos e algumas das suas jogadas, visíveis no Youtube como este resumo do que terá sido o grande jogo da sua carreira, contra a Coreia do Norte no campeonato Mundial de 1966, são nada menos que espectaculares.

Imagem da FPF

Lembro-me, isso sim, que no estrangeiro era muitas vezes o primeiro (o único!) nome de que as pessoas se lembravam quando eu dizia que vinha de Portugal. Confesso que isso não me dava orgulho nenhum; o certo é que ainda hoje são futebolistas os portugueses mais conhecidos por esse mundo fora.



*via O país do Burro

sábado, 4 de janeiro de 2014

Postais de Toronto X

O paraíso de uns é o inferno de outros... ou a outras horas. Nos dias sem electricidade em casa, a solução foi fugir: para os museus, para o teatro, e para o centro comercial Eaton Center, construído no final dos anos setenta e entretanto degradado e renovado, considerado a maior atracção turística de Toronto; na extremidade sul os gansos voadores constituem uma escultura do artista Michael Snow.

No dia a seguir ao Natal (Boxing Day) o Eaton Center enche com o frenesim dos saldos. É melhor ir lá depois, os saldos continuam com muito mais calma.


A foto abaixo, embora pareça, não é de nenhum centro comercial mas sim do hospital pediátrico de Toronto (Sick Kids).

(Toronto, Dezembro 2013)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Postais de Toronto IX

Mount Pleasant é um cemitério que é também um parque; noutras épocas do ano os Torontonianos passeiam por ali de bicicleta, mas com temperaturas negativas o passeio foi de carro, parando aqui e além para tirar fotografias.


Consegui fotografar este esquilo, de longe, para não o assustar, mas as raposas não estavam para aí viradas.

(Toronto, Dezembro 2013)