domingo, 29 de abril de 2012

Dois filmes

Há dois filmes em cartaz que vale a pena ver: ambos têm como protagonistas pessoas que só raramente o são, num dos casos um doente tetraplégico e no outro velhotes reformados e com pouco dinheiro. Ambos falam de amizade, de adaptação a circunstâncias excepcionais, ambos usam a receita conhecida do choque cultural inicial que depois é factor de crescimento e libertação, e ambos nos fazem sair do cinema bem-dispostos.

O primeiro chama-se Amigos Improváveis, em francês Intouchables, e trata da amizade que se cria e cresce entre um tetraplégico cheio de dinheiro e bom gosto e o seu novo prestador de cuidados, um senegalês dos bairros periféricos, recentemente saído da prisão. Passa-se em Paris e consegue pôr a sala toda a rir sendo requintadíssimo. A Ana Vidal já o tinha recomendado, e eu subscrevo - antes que saia dos cinemas.


O segundo é O Exótico Hotel Marigold, no original inglês The Best Exotic Marigold Hotel. Tem um grande elenco de velhos e jovens actores, foi realizado pelo autor de Shakespeare in Love, passa-se na Índia e a Índia é assim mesmo: colorida, quente, alegre, suja e degradada e ainda me está atravessada como um feitiço... Toca numa coisa importante nos dias de hoje, a velhice e o futuro de quem já tem pouco futuro, e deixa a esperança de que pode haver uma perspectiva diferente e talvez ela nos salve.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Música no mercado

Covent Garden é um lugar meio mágico, pelo menos sempre me pareceu assim desde que Eliza Doolittle ali andou a vender flores. É alegre mesmo num dia de chuva. E o mercado, hoje transformado em centro comercial, tem surpresas:

(Covent Garden Market, London, Abril 2012)

Chama-se Imogen Roose, é australiana e canta árias de ópera por uns cobres. Depois dela vieram estes malucos

(Covent Garden Market, London, Abril 2012)

a tocar Mozart, Vivaldi e Pachelbel e mais umas coisas, dançando ao mesmo tempo para alegrar os fregueses. No meio disto há, naturalmente, melhor e pior, e o pessoal gosta e paga - e filma:

Não me parece que ganhem mal, os maganos. Uma dica para futuros visitantes: embora eles toquem junto dos restaurantes, o som é muito melhor no andar de cima.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Um post sobre pés

A propósito de sapatos, ou talvez não, nunca tinha visto um bicho com umas patas tão extravagantes como estas:

(Hyde Park, London, Abril 2012)

Diz que se chama galeirão: em inglês é coot.

Um post sobre sapatos

Eu gosto tanto de sapatos bonitos como qualquer outra mulher, mas respeito os meus pés e não gosto de sofrer. Por isso ando um bocado desconsolada, porque de há uns anos a esta parte os sapatos mais bonitos ou são completamente rasos ou têm saltos de dez centímetros pelo menos.
Assim sendo, na maior parte dos casos os sapatos para mim são como as motas: objectos de arte para admirar de perto. Louboutins, Manolos, Valentinos, por certo, mas também marcas mais humildes no preço embora igualmente ambiciosas na altura. Enquanto objectos de arte, porém, acho que encontrei os sapatos mais extraordinários e tentadores numa área de Covent Garden.

Chamam-se Unique Nude e foram criados pelo arquitecto holandês Rem Koolhaas, o mesmo que desenhou a Casa da Música no Porto. Só podia sair uma coisa rara, não? Koolhaas associou-se a Galahad Clark, um sapateiro com nome de herói medieval, e o resultado está à vista até no desenho da loja e dos expositores, a que a minha pobre fotografia não consegue fazer justiça.

(London, Abril 2012)


Imagem United Nude



Se comprei alguns? Pensei que tinha sido clara: tenho pés de sereiazinha. Niet.

Primavera inglesa


(Kensington Gardens, London, Abril 2012)

Idiossincrasias inglesas

Estranho?

Ou nem tanto?

(London, Abril 2012)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Um cão em Inglaterra

Há uma ideia que os ingleses gostam muito de cães, mas não sei se é assim. Tal como os portugueses, os restaurantes de Londres dizem que a lei os proíbe de aceitar a entrada de cães, o que não é verdade como não é . O hotel em que ficámos pôs-nos num quarto na cave (embora com janela) e não se vêem cães a passear na rua com os donos, ao contrário do que é comum nos países civilizados do continente.

Para além disso, apesar de a União Europeia os ter finalmente convencido a deixar entrar no país cães identificados e vacinados sem exigirem quarentenas nem testes serológicos, ainda não se consegue levá-los na cabine de um avião, que é o normal até para a terra dos trolls.




Assim, o Jr teve de viajar de ferry e a sua primeira visão de Inglaterra foi, como a de César, as colinas brancas de Dover.



(Dover, Abril 2012)




Depois andou a passear pelos lugares turísticos, com o sucesso habitual.

(London, Abril 2012)

E como, afinal, em Roma se deve agir como um Romano, foi passear no parque e aí socializou com os cães residentes.

domingo, 22 de abril de 2012

Rigoletto em Londres

Algumas críticas eram devastadoras: uma encenação cansada, um tenor vaidoso e espalhafatoso, uma orgia inicial parva. Parecia salvar a situação o facto de toda a gente cantar muito bem e, apesar de tudo, não é isso que mais importa quando se vai à ópera?

Com as expectativas baixas, ainda para mais tendo comprado bilhetes de banco (os melhores lugares na Royal Opera House têm preços que não me disponho a pagar), encontrei-me sentada a um lado, perto e ligeiramente acima do nível do palco, quase sobre a orquestra, com visão e audição total do que se passava em cena.

E foi assim: a encenação de David McVicar é naturalista, directa, sem conceptualismos nem simbolismos senão o de não adoçar a pílula: a festa inicial é uma orgia para que se entenda o nível de depravação geral no qual Rigoletto é conivente com um horror desesperado que vamos perceber em seguida, tornando toda a história plausível para um público do século XXI habituado a cenas explícitas. As crianças que assistiam não devem ter ficado perturbadas com o que perceberam nem com o que não perceberam. Claro que toda aquela movimentação distrai da música, mas esta não era uma versão de concerto.

O cenário é simples e negro, como afinal a história, numa plataforma giratória que o muda entre cenas e que era bom, acho eu, que girasse mais depressa.

A música é o que é: na minha opinião, uma das três óperas que não têm um momento aborrecido. A orquestra da ROH esteve muito bem dirigida por John Eliot Gardiner, que deu espaço aos cantores sem retirar a vivacidade à partitura. Os solos de violoncelo que acompanham as árias de Rigoletto foram de uma doçura extrema.

No papel principal esteve Dimitri Platanias, que foi o Posa do Don Carlo em Outubro passado no S. Carlos; na altura achei que tinha uma voz bonita e limitações cénicas, e agora confirmei-o, mas ouvia-se muito melhor desta vez - se calhar pelo lugar em que eu estava. Como Rigoletto, a voz de Platanias transmitiu a raiva e o desespero, assim como a ternura paternal. Bem diferente do último Rigoletto a que assisti ao vivo.

Ekaterina Siurina foi uma excelente Gilda, com uma voz bem timbrada e retratando bem a um tempo a inocência e a malícia de uma adolescente apaixonada. Vittorio Grigolo tem sido atacado pela sua vaidade e superficialidade, mas achei-o muito bem num Duca amoral e cruel, para cujo papel tem uma belíssima e potente voz. Só dispensava uma ou duas ornamentações que penso que Verdi não terá escrito. Gostei muito da Maddalena de Christine Rice, e o quarteto foi perfeito (melhor que no video).

Bem igualmente Matthew Rose como Sparafucile e Zhengzhong Zhou como Marullo, assim como a portuguesa Susana Gaspar na condessa Ceprano. Mais fraco o Monterone de Gianfranco Montresor, sem voz nem ira para uma maldição credível.

Talvez tudo isto seja pouco para quem vive em Londres e tem como certa a sua riqueza cultural. Para mim, foi uma alegria.

sábado, 21 de abril de 2012

Kaufmann em Bruxelas

Voltar a ouvir Jonas Kaufmann, dois meses depois de Munique, acompanhado pela Orchestre National de Belgique num programa baseado nos seus CDs Verismo Arias e Sehnsucht era uma oportunidade imperdível.










Imagem Bozar



Os belgas devem ter achado o mesmo, porque a casa, se não estava esgotada, para lá caminhava, e os aplausos foram muitos e sem restrições. A habitual solicitação para que não se fotografasse nem filmasse foi totalmente esquecida no final, graças aos telefones celulares.

(Bruxelles, Abril 2012)

A orquestra começou muito certa, muito afinada, dirigida de maneira clara pelo maestro Jochen Rieder, e servindo o cantor com alguma delicadeza na primeira parte do concerto, menos bem, pareceu-me, na parte final. É certo que nem eu nem provavelmente noventa por cento das pessoas que enchiam a sala Henri Boeuf do Palais des Beaux-Arts de Bruxelas (carinhosamente conhecido como Bozar) lá estávamos para a ouvir, pelo que o alinhamento, que alternava uma peça instrumental com uma ária vocal, rapidamente se converteu - pelo menos para mim - numa irritação.

Kaufmann, esse, esteve perfeito: a voz sensual e expressiva chegando a tudo o que ele quis, a presença elegante e simpática, a disponibilidade para corresponder aos pedidos de mais música. Pontos altos, as árias Giulietta! Son io, La fleur que tu m'avais jetée, e a minha favorita, In Fernem Land.
Ovacionado de pé e chamado repetidamente ao palco, só conseguiu sair depois de cinco encores e contra a vontade de quem ainda o aplaudia.

Pode ver-se aqui, por curiosidade, ou aqui, em melhores condições, alguns momentos gravados à socapa por membros da assistência.

Um museu musical

Entre outros museus extraordinários, Bruxelas conta com o Musée des Instruments de Musique, uma colecção com cerca de oito mil peças vindas de todo o mundo, embora principalmente da Europa, das quais estão visíveis mil e duzentas, instaladas num edifício igualmente extraordinário, de estilo Art Nouveau, com quatro pisos de exposição, uma loja e um restaurante no terraço.

Visitei-o a correr, como de costume, e pareceu-me relativamente escasso em informações, embora ofereça a possibilidade interessante de se ouvir o som de uma boa parte dos instrumentos. Estes são muitos, muito variados e alguns raros e surpreendentes. O museu tem de resto uma publicação chamada 50 instruments insolites que inclui alguns dos meus preferidos, como a harmónica de vidro, a harpa cromática ou este Geigenwerk, no qual as cordas são friccionadas por arcos giratórios accionados pelas teclas.

(Bruxelas, Abril 2012)

Fiquei igualmente a saber uma coisa que se calhar não é novidade para ninguém: o saxofone foi inventado por um belga, o senhor Adolphe Sax, que lhe deu o nome.

domingo, 15 de abril de 2012

Jardins urbanos

Há três ou quatro anos fiquei espantadíssima quando soube que em plena cidade de Londres vivem raposas. E fiquei agora igualmente espantada ao saber que em Bruxelas há papagaios à solta.

E há mesmo. O meu amigo A. mora bem perto do Parc du Cinquantenaire e no jardim do prédio dele há uma azáfama de passarinhos impressionante. Às seis da manhã acordei com um verdadeiro concerto. Depois descobri um casal de gaios que levaram o dia todo a construir um ninho. E, quando estava entretida a fotografá-los, eis que mais abaixo, em voo franco, passaram os papagaios mais verdes que já vi.

Depois disto, corvos no passeio dificilmente surpreendem. Ah, as histórias que vou ter para contar aos meus pardalitos...

(Bruxelas, Abril 2012)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O singular

Numa loja de roupa desportiva.

Eu:
Preciso de uns ténis para o Verão.

A empregada, muito simpática:
Bem, téni, téni, de senhora, de momento não tenho.

Nem tanto

Descobri que afinal não viajo tanto como isso. Cada vez que passo no aeroporto da Portela encontro-o diferente.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Funcheira

Quem faz a viagem de comboio entre Lisboa e o Algarve pergunta-se qual a importância de uma estação chamada Funcheira, aparentemente plantada no meio de nada. Na realidade há ali dúzia e meia de casas, e ali se fazia a ligação a Beja, mas esta foi desactivada no início deste ano.

Imagem Google Maps

Ora esta estação, do ponto de vista de arquitectura, é extraordinária: os volumes, a cantaria, os azulejos, as janelas e acima de tudo o telhado, que nunca vi igual em parte nenhuma. Foi, ao que parece, construída em 1909, mas não consegui saber o nome do arquitecto.


(Funcheira, Abril 2012)

domingo, 8 de abril de 2012

Uma história de Manon Lescaut

Se mal conheço a Manon Lescaut de Puccini, a de Massenet então era-me quase totalmente alheia, não fora a famosa cena das meias entre Anna Netrebko e Roberto Alagna.
A encenação de Laurent Pelly transmitida este sábado do Met para os cinemas e para a Gulbenkian, tem sexo e violência qb para o público daquela casa: numerosos beijos entre os protagonistas, uma cena de cama na sacristia com um padre de batina entre as pernas de uma cortesã, e uma outra em que esta é espancada pelos guardas prisionais. A ideia desta última não era má: só os maus tratos eventualmente sofridos na prisão podem na realidade explicar a morte de Manon, sempre saudável durante os quatro actos anteriores. E se o Hotel de Transylvanie fosse mostrado como uma tasca onde a ilicitude do jogo e da prostituição fossem evidentes, em vez de um local onde alguns endinheirados gastam com displicência dinheiro e tédio, ter-se-ia percebido a razão por que ela foi presa. Mas isto é uma encenadora de poltrona a falar, porque de resto a coisa esteve até muito bem, tirando partido da comicidade e do drama e contando a história fielmente, ainda que cenários e figurinos contivessem alguns anacronismos.

A música de Massenet só me cativou ao terceiro acto, depois dos dois primeiros que achei uma seca. A orquestra do Met teve a direcção de Fabio Luisi, de quem aprecio mais uma vez delicadeza e a agilidade. Mas o melhor de tudo foram os dois cantores principais, Anna Netrebko acima de tudo, que continuo a achar uma cantora e actriz magnífica, com um registo grave muito bonito, agudos muito seguros e pianissimi fantásticos. Ainda por cima, pareceu-me mais magra, embora não propriamente magra.

Piotr Beczala, no Chevalier des Grieux, também esteve muito bem; é um tenor que conheço pouco, mas de cuja voz e elegante presença em palco gostei: penso que vale a pena ouvi-lo mais vezes. Entre os papéis secundários, distingo o barítono Paulo Szot (Lescaut) e o tenor Christophe Mortagne (Guillot) que optou, ele ou o encenador, por manter sempre o registo cómico, e da voz do baixo David Pittsinger (Des Grieux père), embora achasse este último fraco cenicamente. Ao baixo-barítono Bradley Garvin (Brétigny), pedir-lhe-ia para ter umas aulas de francês, embora na realidade só o francês Mortagne pudesse prescindir delas.

As meninas de Guillot saíram-se bem, o coro e a orquestra lindamente, o ballet estupendo, o clarinetista sem defeito.

Em resumo, uma boa récita para uma obra que está longe dos meus planos rever num futuro próximo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Surpresas

Ontem andei todo o dia com uma telha que só vista, depois de ouvir na Antena2 que o governo pretendia uma redução do montante do subsídio de doença nas baixas de curta e média duração (que passaria de 65% do ordenado para 55% nas baixas até 30 dias e para 60% nas baixas até 90 dias), com a justificação de desincentivar as baixas fraudulentas.

Isto mete-me nojo. Que nos digam que não há dinheiro é uma coisa, que inventem razões parvas é outra. Acho muito bem que se combatam as baixas fraudulentas: para isso há uma coisa chamada fiscalização. Mas estarão os nossos governantes tão habituados à trapaça e à vigarice que não lhes passe pela cabeça que as pessoas podem estar mesmo doentes e impedidas de trabalhar?

Claro que não imaginam que um carpinteiro ou um pedreiro a quem falhe um gesto pode ter uma lesão grave na mão, e que esta pode precisar de um mês de imobilização e mais um mês, ou mês e meio, de reabilitação. Claro que não imaginam que uma cozinheira pode queimar-se seriamente na cozinha e que no melhor dos casos pode precisar de duas ou três semanas até cicatrizar. Claro que não imaginam - mas perguntem, santo deus! E já agora perguntem se um desgraçado que vai trabalhar engripado, em vez de meter uma semana de baixa, não andará a espalhar vírus à sua volta, contagiando dezenas de outros. Perguntem se uma empregada de limpeza a quem tiram o útero tem condições para trabalhar antes de quatro a seis semanas. Perguntem, que os médicos explicam.

Hoje li no Diário de Notícias que a Comissão Europeia não descartou (...) a possibilidade dos cortes nos 13.º e 14.º meses para a função pública e pensionistas assumirem caráter permanente. Olhem a grande novidade! Alguém acredita voltar a receber esses subsídios? Mas enfim, diz o Sol que a Comissão Europeia definiu como surpreendente o aumento do desemprego em Portugal, por isso já se começa a perceber: estes economistas, afinal, não têm ideia do que andam a fazer e até já recebem lições de miúdos de onze anos.

domingo, 1 de abril de 2012