domingo, 31 de março de 2013

quarta-feira, 27 de março de 2013

O Prina

O general Bonaparte entrou em Itália como libertador, e a sua vitória em Marengo sobre as tropas austríacas que dominavam grande parte da península foi saudada por muitos que se reviam nos ideais revolucionários: liberdade, igualdade, fraternidade; no entanto em breve se percebeu que a França e Napoleão tinham uma política expansionista e que os Estados italianos não teriam a autonomia que desejavam.
A nova República Italiana, por exemplo, criada por Napoleão com base na Lombardia com capital em Milão, passou por várias fases em termos de território, estendendo-se a certa altura do Piemonte a Veneza. A partir de 1805 designou-se Reino de Itália, com Eugène de Beauharnais, enteado de Napoleão, como vice-rei. Mais tarde o próprio filho do imperador foi nomeado rei de Itália.

A mais importante nomeação para o governo de Milão foi o ministro das Finanças, Giuseppe Prina, encarregado de pôr em ordem as contas públicas, diminuir o défice e reduzir a dívida, que atingira valores elevadíssimos, em boa parte a financiar as campanhas italianas do próprio Napoleão. Para tal, o Prina fez o óbvio: aumentou impostos e lançou medidas de austeridade.
Odiado por isso tanto como por ser instrumento do ocupante, o Prina foi fazendo o seu papel: vendeu activos, incluindo bens confiscados ao clero, fez cortes na despesa, nomeadamente no exército, e inventou novos impostos sobre tudo o que se lembrou.

O império napoleónico seguiu o seu curso, das grandes vitórias às grandes derrotas, o vice-rei acompanhou o padrasto na invasão da Rússia e subsequente retirada, e o Prina foi administrando as Finanças do reinozinho para lá dos Alpes. Quando, vencido e humilhado, Napoleão abdicou, os italianos sonharam com a independência mas, no Reino de Itália, os do costume discutiam outros planos: manter a ligação à França, entregar-se aos austríacos. Rumores sobre as reuniões secretas do Senado chegaram à rua; os cidadãos indignaram-se, uma multidão invadiu o Senado, partiu, destruiu e saqueou. Alguém se lembrou do Prina. O Prina! O Prina estava em casa, escondido numa chaminé, donde o arrancaram. Foi despido, atirado pela janela e, na rua, atacado a golpes de guarda-chuva por respeitáveis cidadãos tomados de uma selvajaria incontrolada, que não pararam senão quatro horas depois, quando já pouco restava do Prina.

Fontes:
Wikipedia
Massimo Fabi, Milano e il Ministro Prina, Milão, 1860

domingo, 24 de março de 2013

Motivos de irritação

1. O Blogger mudou a maneira de escrever os posts em HTML; praticamente obriga-me a optar pela escrita wysiwyg. Grrr.

2. O Google Reader vai acabar a 1 de Julho. Não percebo porquê.

3. O Mezzo deve andar sem dinheiro para pagar direitos de autor e desde o princípio do ano repete até ao infinito a mesma meia-dúzia de concertos.

Motivo de alegria

Depois de quase dois anos, esta Dendrobium voltou a florir.

(Albufeira, Março 2013)

quinta-feira, 21 de março de 2013

Papa a papa, Francisco

Enquanto estive fora praticamente não soube notícias; assim que cheguei fui assaltada por jornais e telejornais, primeiro com o folclore em torno da eleição do Papa e depois com a ameaça de confisco das poupanças dos cipriotas. Perante isso pareceu-me menos interessante partilhar a visita ao museu arqueológico de Bolzano ou os pormenores dos tabliers dos Ferraris e Maseratis expostos em Modena. Por outro lado, já tanto foi dito que pouco acrescenta a minha opinião sobre o que está a mudar (ou não) o nosso mundo.

Por exemplo, o Papa Francisco: ainda mal foi eleito e já se sabe que é jesuíta de formação, que foi o principal adversário de Ratzinger na eleição de 2005, que se apresenta como uma pessoa simples e cordial, de gostos modernos e eclécticos (tango, futebol, ópera), que escolheu o caminho da não ostentação (o anel de prata dourada, o autocarro), tem a palavra fácil mas em relação aos temas do costume, é conservador, ou seja, não vai haver abertura para o casamento dos padres ou dos homossexuais, a ordenação de mulheres, a contracepção, o aborto ou o divórcio.

Aliás, todos sabemos que o poder de um homem para mudar coisas é limitado, que a vontade de um homem para mudar coisas é a dele e não a nossa, e que quem sobe na hierarquia é conforme a essa hierarquia.

Foto do Vaticano

O que não sabemos é, por exemplo, o que vai acontecer à Opus Dei porque, das duas uma: ou Bento XVI renunciou por vontade própria, tendo antes deixado a eleição bem preparada e a obra, sem o parecer, continua a mandar (afinal de contas, não foi um dos últimos actos do Papa cessante nomear o novo presidente do Banco do Vaticano?), ou foi corrido, a obra afastada e uma facção que nas últimas décadas tem tido menos preponderância tomou agora o poder.

Verá quem cá estiver.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Ar dos Alpes

Passeando pelas ruas de Glurns, Burgeis ou Schlinig, vai-se gozando a atmosfera tranquila com os simpáticos chalets alpinos.


Curioso é o cheiro de que vamos tomando consciência. Se o visitante não tiver ligações à terra, for dos que julgam que o leite nasce nos pacotes do supermercado, não o identifica mas, se tiver, constata que só pode ser estrume de vaca. Ah pois é. Em 2013, enquanto a União Europeia pontifica sobre higiene e segurança alimentar, a ASAE inspecciona e os cães portugueses são expulsos dos restaurantes, as vacas tirolesas passam o inverno no piso térreo das casinhas dos respectivos humanos, sem, ao que me dei conta, grande qualidade de vida, muito menos de higiene.

Aos donos, isso não parece nada de mais.

(Burgusio/Burgeis, Março 2013)

Nas montanhas

Quando pensamos em fronteiras políticas artificiais, referimo-nos aos países africanos ou então às pretensões autonómicas dos bascos, catalães ou irlandeses. Às vezes nós, portugueses, falamos de Olivença, sem levar o caso muito a sério, mas dificilmente temos noção de que há outras regiões no centro do continente que vivem ainda anexadas por direito de guerra ao país errado.

Uma dessas regiões fica no Alto Adige ou, como preferem os habitantes, no Südtirol: pertence à Itália mas tem muito mais em comum com a Áustria ou a Suíça, a começar pela língua: se é certo que nos mapas as povoações se chamam Glorenza ou Malles Venosta, quando lá chegamos deparamo-nos com Glurns e Mals am Vinschgau.

(Valle Venosta/Vinschgau, Março 2013)

O ponto mais alto ;-) desta curta visita ao Tirol do Sul foi a subida em tele-ski até às pistas de Plantapatsch, a 2150 metros de altitude:

(Plantapatsch, Março 2013)

Como não pratico ski, não continuei a subida até Watles, a 2555 metros, mas assisti à evacuação por helicóptero de um desportista magoado...

(Plantapatsch-Hütte, Março 2013)

Em baixo, no vale, sem neve, fazem-se caminhadas a pé pelo campo. As cidadezinhas estão meio desertas: visita-se a igreja com o cemitério em redor, cheio de campas de famílias com nomes alemães.

(Burgusio/Burgeis, Março 2013)

Não sei de que vive aquela gente. A época alta de turismo é, ao contrário do que se pode imaginar, o Verão. Mas o que me pergunto é o que fazem as populações na época baixa. Suspeito que lá, como cá, a solução passe por subsídios.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Um Holandês em Milão

Logo depois de Parsifal ver o Holandês Voador? Hmmm... Porque não? No Teatro alla Scala, no qual já tinha entrado como visitante mas nunca como espectadora, e com Bryn Terfel no papel principal, pareceu-me uma boa opção, pelo menos até ter ouvido excertos da transmissão radiofónica da estreia no blogue In Fernem Land. Talvez fosse artefacto, pensei esperançosa. E lá fui esta quarta-feira.


Esta era mais uma ópera que nunca tinha ouvido de fio a pavio, mas cuja história me era familiar. Qual não foi o meu choque ao ver o primeiro acto, em que o Holandês e Daland se conhecem quando a tempestade que irrompeu na abertura empurra os respectivos navios para um fiorde norueguês, transplantado para o escritório vitoriano do armador naval em que Daland se transformou! Contudo, de vez em quando o pessoal no escritório balançava como se estivesse num navio sob o vento gerado por uma máquina infernal que não sei onde nem para que foram desencantar. No segundo acto Senta e as amigas, em vez de rocas e fusos, tinham máquinas de escrever, o que já achei quase normal. Pelo menos não as usaram! Senta e o Holandês puderam namorar em casa dela, simbolizada por um sofá e um quadro que era realmente um écran. No terceiro acto, voltámos ao escritório do armador.
Nisto tudo, os marinheiros passaram a amanuenses, as raparigas a secretárias, só Erik conservou o estatuto de caçador, talvez porque a arma deu jeito para com ela Senta se suicidar no fim, visto que mar só nos quadros na parede. Para que conste, o encenador foi Andreas Homoki. O Scala tem produções antigas tão interessantes, não havia necessidade...

A orquestra foi dirigida por Hartmut Haenchen. Eu fiquei num camarote quase por cima dela, e gostei de observar a perfeita sincronia dos violinos. Aliás, ao contrário do que terá acontecido na estreia, não dei conta de desacertos. Assim, pude aperceber-me de algumas características desta ópera, que oscila entre o modelo italiano (os duetos, por exemplo, passariam bem por Verdi) e as frases longas e mesmo os fios condutores típicos de Wagner.

A soprano Anja Kampe como Senta foi, para mim, a melhor voz da noite, bonita e brilhante, logo seguida por Ain Anger como Daland, uma voz de baixo muito correcta e potente. Tinha curiosidade em ouvir Klaus Florian Voigt, que cantou o papel de Erik: esteve bem, não me maravilhou, achei uma voz clara mas indiferente. A grande decepção, para a qual feliz ou infelizmente já ia alertada, foi o protagonista. A voz de Terfel tem um timbre agradável, mas frequentemente foi abafada pela orquestra, e não conseguia sustentar as notas longas de Wagner, parecia uma ovelha a balir. Se agora canta assim, só lhe posso sugerir que volte a Mozart...

No final, o público, que incluía claramente muitos visitantes, aplaudiu mas também não se excedeu.

terça-feira, 5 de março de 2013

Parsifal na Gulbenkian

No sábado passado foi a vez da transmissão directa do Parsifal a partir do Met para a Gulbenkian.

Quando o maestro Daniele Gatti começou a abertura de forma lentíssima, pensei: Isto vai correr mal. Por muito bonita que seja a música de Wagner, seis horas aqui dentro é difícil aguentar. Ao pé de mim, houve quem dormisse no primeiro acto e quem dormisse no segundo. A sala, no terceiro, tinha quase mais clareiras que floresta.

O que me leva directamente à encenação e à cenografia. Li algures que a tese do encenador François Girard é trazer a história para o presente ou para um futuro próximo, não faço ideia com que argumento. Assim, Montsalvat torna-se um ermo pós-apocalíptico sob um céu de tempestade. Quando Gurnemanz diz que é meio-dia, é mais um artigo de fé, porque não se nota a diferença.
O jardim de Klingsor é mais rebuscado, porque atravessado por um rio de sangue, em que toda a gente mais cedo ou mais tarde se banha. Sangue de quem? De Amfortas? De Cristo? Das mulheres?
Em todo o caso, simbólica e despida, parada, mesmo feia, é uma encenação que não contradiz a intenção do compositor, o que já não é mau. E foge ao óbvio: se Klingsor tem ar de dono de bordel ordinário, as raparigas-flores estão longe de parecer prostitutas rascas: pelo contrário, são encantadoras, vozes cristalinas e corpos graciosos numa coreografia delicada. Quase irresistíveis.

Irresistível é a música, e como foi bem cantada! René Pape foi um Gurnemanz impecável, a voz sem quebras num papel extensíssimo (vá lá, tem todo o segundo acto para descansar) e a combinação certa de emoção e distanciamento para o homem que faz, de certa maneira, a ponte entre os cavaleiros do Graal e o resto da humanidade, mantendo o bom-senso e a esperança. Peter Mattei foi uma revelação como Amfortas: uma voz lindíssima, potente (ah, mas como afirmá-lo, se as vozes do Met vêm amplificadas?), com uma força dramática extraordinária a transmitir o sofrimento do chefe dos cavaleiros.
O segundo acto é a moldura para o dueto de Parsifal e Kundry. Mas antes do dueto surge o maléfico Klingsor, interpretado por Evgeny Nikitin, com as tatuagens cobertas, a voz apenas menos apetitosa por comparação com as outras.
Katarina Dalayman fez uma Kundry muito interessante, transformando a bruxa associal (na malvadez de Kundry só Kundry acredita) do primeiro acto na mulher madura e tentadora do segundo. É um belíssimo soprano com uma voz substancial. Achei magnífica a sua passagem por todas as variantes da tentação. Quanto ao Parsifal de Jonas Kaufmann, que dizer, se eu me tornei já há tempos totalmente fã dele, da sua voz e da sua entrega em palco? Acabei o segundo acto sem fôlego.


O problema é que já tive muita dificuldade em aguentar o terceiro acto. Toda aquela espiritualidade me deixou indiferente, odiei a peruca que Kaufmann teve de usar, perguntei-me porque tinha a missa de se transformar num rito não cristão enquanto a Kundry passava a Madalena - em resumo, distraí-me com quase tudo e não consegui apreciar o fundamental. Se, como é provável, sair um DVD, sou capaz de ouver este último acto sozinho, e tentar então saboreá-lo.

Clarinete na Gulbenkian

Sexta-feira passada fui à Gulbenkian para ouvir o concerto para clarinete de Mozart, tocado por Jörg Widmann com a orquestra Gulbenkian dirigida por René Jacobs. Vinha embrulhado na sinfonia nº 104 de Haydn e na nº 6 de Schubert.

Só assisti à primeira parte, e resumo: gosto muito do concerto para clarinete e Widmann tocou-o com vivacidade e alegria. Embora aprecie algumas obras de Haydn, não tenho grande pachorra para as sinfonias dele. A orquestra Gulbenkian esteve bem. O maestro Jacobs dirige enrolado sobre si próprio, sem o gesto claro que ajuda a entender o que se está a passar.

Fica aqui parte de uma versão pela clarinetista Sabine Meyer. O maestro é Pedro Halffter, que já ouvi dirigir a Real Orquestra Sinfonica de Sevilha.