"A instrução mais rigorosa sobre como escrever em prosa que alguma vez recebi [...] veio dos agentes seniores com estudos clássicos no último andar da sede do MI5 [...] que liam os meus relatórios com um pedantismo deleitado, manifestando desprezo pelas minhas orações incompletas e pelos meus advérbios desnecessários e riscando as margens da minha prosa chã com comentários como: redundante — omita — justifique — vago — quer realmente dizer isto? Nenhum editor que encontrei desde então foi alguma vez mais exigente ou teve tanta razão."
"Primeiro vem a imaginação, depois a busca da realidade. De seguida, o regresso à imaginação e à secretária à qual agora estou sentado."
(...) Le Carré acabara de entregar o romance "A Toupeira" à tipografia. No livro havia uma perseguição de ferry no estreito de Kowloon que o escritor criara com a ajuda de um velho guia turístico na Cornualha. Mas em Hong Kong, acabadinho de chegar, descobre de imediato que existe um túnel nesse mesmo sítio. Não a tempo, porém, de parar a impressão do novo livro para alterar a cena, ajustando-a à realidade: "Jurei que nunca mais voltaria a descrever uma cena num local que não tivesse visitado [...] A meio da vida, eu estava a ficar gordo e preguiçoso e a viver à custa de um fundo de experiência passada que estava a esgotar-se. Chegara o momento de abordar mundos não familiares."
John Le Carré, em entrevista a Cristina Margato, publicada na Revista do Expresso de 15/10/2016 (edição 2294, pg E|40)