Cinco da manhã, uma insónia e mau feitio: boa altura para resumir a minha ideia da crise internacional. Se antigamente de médico e de louco todos tínhamos um pouco, se depois passámos todos a ser treinadores de bancada, agora somos todos economistas amadores. Eu também, sobretudo a esta hora.
Voilà: o sistema financeiro transformou-se num monstro incontrolável desde que as operações financeiras deixaram de se referir a dinheiro concreto e passaram a ser feitas de intenções. Quando peço um empréstimo de cem mil euros, o banco diz que me põe cem mil euros à disposição, e eu digo aos meus fornecedores que lhes pago dez mil euros a um, cinco mil a outro, e por aí adiante, e eles dizem que os receberam (os bancos afiançam que sim), e todas estas transferências são feitas sem que alguma vez se veja a cor desse dinheiro.
De repente entraram no circuito cem mil euros que não existem na realidade.
No entanto eu tenho que pagar o empréstimo: do meu ordenado que o meu empregador diz que me paga o banco diz que tira uma quantia mensal para reaver os cem mil euros e respectivos juros.
Um amigo americano, republicano e conservador, diz-me que o banco federal continua a imprimir dólares sem qualquer controle, mas eu não sei se isso é verdade. Não é necessário imprimir dólares, só cartões Visa ou American Express.
Do mesmo modo os governos têm dito que garantem as operações dos bancos, e os depósitos dos clientes, e que disponibilizam milhões de dólares para tal. Não é necessário que tenham essses milhões de notas: mais uma vez lidamos com intenções. Se há algum nome que o sistema mereça é o de fiduciário, porque andamos todos a viver da confiança nas promessas uns dos outros.
Neste momento, contudo, o monstro já é tão grande que já não basta ter confiança, é preciso fé para acreditar que tudo isto vai dar certo.
A crise chegou à economia. Na verdade a crise teve origem na economia, enquanto governos e bancos assobiavam para o lado, mas agora que alguém gritou que o rei ia nu já toda a gente faz coro. A economia mundial vive do consumo, e quando o consumo abranda a economia treme. Quando o consumo pára as empresas abrem falência e despedem trabalhadores.
A indústria automóvel está em crise e pede ajuda aos governos. Que ajuda pode o governo dar? Dinheiro? Para quê? Para pagar ordenados? Para pagar fornecedores de peças? Para continuar a produzir carros que não se vendem?
O que a indústria automóvel quer é ser nacionalizada, passar a responsabilidade de pagar ao governo, passar a ser função pública. Os russos devem estar a rir: afinal o Estado é que está a dar.
Os bail-outs não resolvem nada. As injecções de dinheiro são tratamentos paliativos enquanto a doença avança. Enganam as dores, disfarçam a febre, mas o paciente vai morrer.
Às seis e meia da manhã, o prognóstico é reservado. Este sistema não resulta. As empresas têm de falir e as pessoas vão sofrer. É preciso inventar um mundo novo, porque a fé já não nos salva.