quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Manifesto ateu

Se eu acreditasse num deus único, seria o príncipe do mal, um que tivesse criado um mundo imperfeito, aí tivesse largado criaturas com sensibilidade e raciocínio, e estivesse agora refastelado a assistir ao espectáculo do seu sofrimento.

Nesse mundo mal acabado haveria tempestades e terramotos, vulcões, inundações e secas. Plantas e sobretudo animais teriam como principal objectivo a própria sobrevivência e para tal desenvolveriam competências como a crueldade e a indiferença. No limite, maltratar o outro evoluiria de necessidade a prazer.

Para alguns, como último refinamento, criaria os conceitos de bondade e de justiça para que, na ausência destas à sua volta, sentissem ainda maior a miséria.

Nesse contexto, a melhor hipótese de felicidade seria, provavelmente, manter o mais baixo perfil possível.

A esse deus eu votaria o maior ódio e desprezo. Felizmente para a minha sanidade mental, não acredito nele. Shit happens, é tudo.

3 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Deste ateu não espere palavras de conforto, Gi. A humanidade não tem parado de me desgostar desde, digamos, a passagem do milénio, altura em que havia qualquer coisa no ar que insuflava boas expectativas. É o que se vê, valha-me 'deus', a bruteza e a animalidade em nós parece vencer qualquer vestígio de 'progresso'. Chegou a ser esse, o 'progresso', uma espécie de divindade dos ateus: tinha pés de barro e escacou.

Por essas e por outras estou cada vez mais passadista ('reaccionário', será? ) e acho que tudo o que pode haver de bom já passou, há séculos. Nas Artes - música, pintura, literatura, cinema - como na Ciência.

'Shit happens', sim, as well as 'Wonder happens'. O balanço é que tende para 'shit', avassaladoramente. E nenhum deus travará isso, quase digo - infelizmente -

Gi disse...

Não espero, Mário, conheço um bocadinho o seu pensamento. Não sei se é desde a passagem do milénio se desde a rotura da bolha financeira em 2008, mas o certo é que o mundo parece rolar numa rampa descendente.
E acabei de ler um artigo no Economist, artigo com já alguns meses, que é mais um argumento nesta conversa deprimente:
https://www.economist.com/open-future/2018/06/29/bullshit-jobs-and-the-yoke-of-managerial-feudalism

Mário R. Gonçalves disse...

O que se passa com os estivadores de Setúbal, por exemplo, contratados ao dia, é mais de um século de regressão ao início da Revolução Industrial, quando quem queria trabalho tinha de fazer fila diariamente à porta da mina. Trabalhos de luxo em casa no e-work para fazer coisas verdadeiramente inúteis, VS trabalho manual miserável no que é essencial de produtivo para a economia. Tem de dar estouro.