terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Ainda Antuérpia

Antuérpia é uma cidade rica. Percebe-se ao sair do comboio na estação central

ao caminhar por avenidas desafogadas mas não desumanas

passando pelas casas das guildas na Grote Markt

ao chegar à Groenplaatz e avistar a Catedral de Nossa Senhora (Onze-Lieve-Vrouwekathedraal)

(Antwerpen, Novembro 2014)


até finalmente se desembocar na margem do rio Scheld. Tudo isto com uma luz e uma serenidade que me fizeram desejar ficar pelo menos dois dias em vez de poucas horas. Falta-me ainda muito para ver: o Museu de Belas-Artes, o porto que é um dos maiores da Europa, as construções Arte Nova, as lojas de diamantes e, last but not least, o túmulo de Rubens.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Rubens em Antuérpia

Voltei a Antuérpia especialmente para visitar a casa de Rubens, pintor que acabou por marcar muito esta viagem.

(Antwerpen, Novembro 2014)

Em Bruxelas, as Bozar focavam-se em Rubens, apresentando-o assim: Rubens was the Quentin Tarantino of his era. The Flemish master painter created scenes that exuded lust and were marked by violence, as well as compassion and elegance. These themes inspired the artists after Rubens for many centuries to come.

Na realidade, a violência e a luxúria de Rubens nunca passam os limites da elegância (não há pingo de sangue nas cenas de caça às feras)

(Bruxelles, Novembro 2014)

o que lhe assegurou a presença em salões e igrejas e uma fortuna pessoal assinalável.

(Antwerpen, Novembro 2014)

O seu atelier produziu mais de cinco centenas de obras; o que espanta já não é que na Catedral de Antuérpia haja quatro

(Antwerpen, Novembro 2014)

e na Catedral de St Baaf em Gent haja outra

(Gent, Novembro 2014)

mas que o nosso Museu Nacional de Arte Antiga não tenha uma sequer.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O Altar de Gand

Gand, ou Gent em flamengo, fica ainda mais perto de Bruxelas, e tem canais ainda mais bonitos do que Bruges.

Tem um castelo, uma densidade impressionante de igrejas e edifícios góticos

(Gent, Novembro 2014)

e a Catedral de St Baaf, onde se encontra, em sala especial e guardado à vista, o retábulo conhecido como Altar de Gent ou Cordeiro Místico dos irmãos Hubert e Jan van Eyck, que também figura no filme The Monuments Men.

Imagem de Pol Mayer/ Paul M.R. Maeyaert para Wikimedia commons

Retábulos não faltaram nesta viagem

(Metz, Novembro 2014)

(Antwerp, Novembro 2014)

(Strasbourg, Novembro 2014)

mas o Cordeiro Místico é enorme em vários sentidos (tem quase quatro metros de altura!). Está a ser restaurado painel a painel, pelo que não estão todos expostos, e infelizmente não se pode fotografá-lo, mas neste site pode-se admirá-lo e analisá-lo à vontade.

Bruges

De Bruxelas a Bruges leva-se uma hora no comboio rápido, e da estação vai-se a pé ao centro histórico - nós e mais uns milhares de visitantes, mesmo em Novembro.


Bruges é conhecida pelos seus canais, e chamada a Veneza do Norte, o que é uma patetice, porque há canais noutras cidades flamengas mas nenhuma os habita como Veneza.


Já lá tinha estado num dia de chuva, e a única coisa de que me lembrava era da Marktplatz, onde almocei e bebi um Beaujolais... Reencontrei-a agora num belo dia de sol.


Mas o que realmente me fez ir a Bruges desta vez foi o filme The Monuments Men que me despertou para a existência, na Igreja de Nossa Senhora (Onze Lieve Vrouwekerk), de uma Madonna com o Menino esculpida por Michelangelo. Esta jóia:

(Brugge, Novembro 2014)

O filme é baseado na história verdadeira dos homens que, no final da Segunda Guerra mundial, tiveram como missão resgatar as obras de arte roubadas pelos nazis. Interessante!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Centro(s) da Europa: breve introdução

As minhas férias "grandes" (duas semanas) este ano foram em Novembro. Com base em Bruxelas, de comboio ou de carro andei a passear naquela zona da Europa onde tudo fica perto de tudo.
Os centros históricos das cidades vêem-se em poucas horas: há habitualmente uma praça central cheia de cafés e restaurantes onde se pode comer qualquer coisa a meio do dia, uma ou duas catedrais góticas imperdíveis, um traçado de ruas cheias de arquitectura interessante, e eventualmente canais que apetece cruzar.
Se se quiser ver museus, aí é preciso contar com mais tempo, mesmo que, como eu, se esteja habituado a passar por obras-primas em passo acelerado porque a companhia e o cão estão à espera lá fora...
Se tivermos sorte, haverá qualquer coisa especial que nos fará mais tarde recordar em particular uma cidade ou outra; se não, toda aquela beleza se confundirá numa Europa amável e sedutora.

Em breve, os primeiros episódios.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Filosofando Astérix


Do país da banda desenhada, que voltei a visitar em Novembro passado, trouxe (eu, que há anos não leio banda desenhada franco-belga) o número especial de Philosophie magazine dedicado a Astérix, no qual uma trintena de intelectuais europeus foi convidada a desencriptar o génio do pequeno gaulês.

Em pequenos textos, estes comentadores abordam perspectivas como o uso dos lugares-comuns, a visão do feminino, o significado da resistência ou o latim como língua morta.

Alguns parágrafos que mexeram mais comigo:


On le sait: un des idéaux de la bande dessinée franco-belge de l'Âge d'Or aura été de donner une image du mouvement incessant, mais en faisant abstraction des effets dévastateurs du temps.

Tristan Garcia, Pourvu que ça dure, pg 20

(...) l'Empire incarne la figure du progrès (les immeubles du Domaine des dieux, par exemple). Or le progrès, on ne l'arrête pas. Rome, dont on sait par avance qu'elle est destinée à l'emporter (et à être vaincue à son tour), c'est l'Histoire en marche. Le petit village défend au contraire l'idéal de la stase historique, qui essaie de se maintenir, rien de moins, rien de plus. Ne pas s'étendre, ne pas se rétracter, rester ce que l'on est: voilà toute la morale d'Astérix.

idem, pg 21

Il semble que la diversité des cultures soit rarement apparue aux hommes par ce qu'elle est: un phénomène naturel, résultant des rapports directs ou indirects entre sociétés; ils y ont plutôt vu une sorte de monstrosité ou de scandale [...].

Claude Lèvy-Strauss, Race et Histoire, 1952, citado pg 46


Le soupçon que l'idéal culturel directeur de la compréhension bienveillante de l'étranger pourrait n'être qu'un prolongement du colonialisme sous des prémisses cachées, n'a cessé d'être exprimé après Nietzsche par Michel Foucault, Edward Saïd, mais aussi, d'une autre manière, par Emmanuel Levinas. Il n'existe en effet, tel est le noyau commun de leur critique, ni sur le plan théorique, ni sur le plan pratique, aucune méthode plus efficace pour nier et éliminer l'altérité fondamentale de l'autre que de le comprendre pleinement et totalement!

Wollfram Eilenberger, Sus au consensus!, pg 50

Les premiers albums d'Astérix sont composés au début des années 1960. Soit à l'issue d'une décennie qui aura vu la brutale et massive modernisation du pays. En une dizaine d'années, «la France, qui était encore un pays catholique foncièrement rural et impérialiste, se mua en un pays urbanisé, pleinement industrialisé et privé de ses colonies», écrit l'historienne américaine Kristin Ross dans son stimulant Aller plus vite, laver plus blanc. Ce que la france se met à perdre essentiellement dans ce processus, c'est la mémoire de soi: de ses chants populaires, de ses traditions vernaculaires, de ses rituels villageois.

Philippe Nassif, La victoire en déchantant, pg 59

[La France] hérite d'une histoire falsifiée. Déjà profondément mutilée par le carnage absurde de la Première Guerre mondiale, la France se réconcilie à l'issue de la Seconde Guerre mondiale autour d'une «victoire» fictive sur le III Reich et du mythe de la Résistance porté par le général... de Gaulle.

idem, ibidem