segunda-feira, 11 de julho de 2011

Da economia como medicina

Acabei de ler Portugal na Hora da Verdade, o mais recente livro do ministro da Economia e amigo blogueiro, Álvaro Santos Pereira.

Do meu ponto de vista é um livro bem construído: começa pelo diagnóstico, estuda as causas da doença, propõe a terapêutica e o programa de reabilitação.

Diz coisas que toda a gente já percebeu e outras que para mim são novidade, ou que precisavam de ser reforçadas.

Imagem da editora

Alguns exemplos:

sobre o euro:

A verdade é que, a longo prazo, as desvalorizações não contribuem para a competitividade das economias
pg 40

(...) as empresas dos países com moedas fortes são forçadas a obter melhorias de produtividade significativas para se poderem manter competitivas nos mercados internacionais.
pg 354

sobre as obras públicas:

(...) em Portugal não existe um keynesianismo empedernido, mas sim um fontismo extremado.
pg 46

(...) se a política fontista de desenvolvimento de infra-estruturas se justificava perfeitamente nos anos 1980 e 1990, por causa do nosso evidente atraso nesta área (...) na última década (...) tem sido uma verdadeira desgraça para a economia nacional.
pg 47

As obras públicas só devem avançar quando ajudarem a melhorar a competitividade das nossas exportações e houver condições para financiá-las.
pg 427

(...) uma medida simbólica para combater o fontismo do nosso Estado seria extinguir de uma vez por todas o Ministério das Obras Públicas.
pg 525

A produtividade nacional não depende dos investimentos públicos nem de grandes obras públicas. Ponto final. Parágrafo.
pg 526

sobre a reforma do Estado:

O S[ector]E[empresarial do] E[stado] tem variado imenso nas últimas décadas, atingindo um máximo de 15% do PIB após as nacionalizações que caracterizaram o período pós revolucionário, quando uma boa parte das nossas empresas industriais e financeiras foi colocada (à força) nas mãos do Estado, com o pretexto de eliminar monopólios privados e de aumentar a eficiência e a gestão dessas mesmas empresas. Obviamente, nem os monopólios acabaram nem a eficiência melhorou.
pg 113

(...) os institutos públicos são um instrumento ao dispôr dos ministros para poderem aumentar a sua esfera de influência na administração pública e na própria sociedade.
pg 123

(...) o próximo governo devia criar um ministério temporário para a reforma do Estado (...)com um período de vigência não superior a dois anos. (...) Acabada a reorganização, deve terminar o mandato desse ministério temporário.
pg 527

sobre a reforma das leis laborais:

Se a fábula dos direitos adquiridos não faz sentido no mundo actual, também não é razoável, nem sequer aconselhável, tentar implementar uma nova reforma laboral sem explicar devidamente aos trabalhadores e sindicatos o que está em causa.
pg 217

(...) porque não introduzir uma flexibilização laboral ao nível sectorial, nos sectores mais abertos à concorrência internacional? (...) poderemos utilizar a experiência para verificar se, realmente, uma maior liberalização laboral conduz a mais desemprego e precaridade.
pg 414

sobre as contas públicas:

(...) em tempos de crise, todas as migalhas contam para conseguirmos dar a volta à delicada situação fiscal do nosso Estado.
pg 304

(...) nenhum destes esforços orçamentais seria, por si só, suficiente para assegurar uma diminuição da dívida pública alargada para níveis significativamente abaixo de 100% do PIB. (...) é bastante possível que, mais cedo ou mais tarde, um governo português se declare impotente para pagar a totalidade da dívida pública.
pg 459

sobre a diminuição dos salários:

Paul Krugman, prémio Nobel da Economia em 2008, (...) estimou recentemente que Portugal necessitava de uma descida de salários entre os 20% e os 30% para que as exportações nacionais se pudessem tornar novamente competitivas.
pg 359

Segundo Ferreira do Amaral (...) [a] descida de salários é um instrumento particularmente ineficaz para melhorar a competitividade externa. (...) teriam de descer 60%!
pg 361

sobre a aposta na agricultura e actividades tradicionais:

(...) muitos outros países e regiões avançadas e com sucesso o fazem e tornaram a agricultura um dos seus maiores sectores exportadores. (...) é o que se passa em Espanha, em França, no Canadá e até mesmo na Califórnia (...)
pg 401

É um programa corajosamente liberal (corajosamente porque em Portugal liberal é uma palavra usada como um insulto). Para resultar, o ataque à doença teria que ser feito sem delongas, com a dose útil recomendada dos medicamentos de primeira linha, para evitar as resistências dos (micro)organismos patogénicos instalados. Como o próprio Álvaro escreve sobre a baixa da Taxa Social Única:

(...) só valerá a pena se for substancial. (...) Tentar fazê-lo a conta-gotas retiraria toda a força da medida.
pg 368

E no entanto, no clima internacional actual, valerá alguma coisa?

7 comentários:

Paulo disse...

Valerá? Hummm.

mfc disse...

Como no Poker: "Pago para ver"!!!

Gi disse...

Paulo, em medicina tenta-se sempre, mas para os doentes terminais há os chamados cuidados paliativos, em que se tenta minorar o sofrimento. Em economia talvez falte inventar essa parte.

Mfc, ai pagas, pagas ;-)

Filipe Tourais disse...

Talvez por ser a minha área de formação, o que leio é uma chorrilhada de generalidades, ainda por cima incoerentes.
“A verdade é que, a longo prazo, as desvalorizações não contribuem para a competitividade das economias” Não o aplica ao factor trabalho que, como é sabido, quando é o factor de ajustamento da competitividade acarreta como consequência a obsolescência tecnológica. Vejo-o a propor o encerramento do Ministério das Obras Públicas, assim a papo-seco, quando todos sabemos que foi quando este Ministério encolheu para fazer dilatar as PPP que as nossas contas públicas entraram em descalabro. E parece que se esquece dos governos do alcatrão de Cavaco. Um livro à altura de um caloiro de economia com alguma dose de imbecilidade. É curioso como estes pseudo-economistas usam o trocadilho da cura e da doença e se abalançam com propostas de terapêutica que empiricamente sempre se têm revelado fracasos rotundos.

Gi disse...

Oh Filipe, pseudo-economista, nem de longe, mas leio sobre economia com olhos de médica, daí os trocadilhos, que não foi de todo o Álvaro a fazer. Este livro, como os anteriores, é de divulgação para gente como eu.

Quando às PPP, ele é contra, e propõe acabar com o Ministério das Obras Públicas porque, segundo ele, uma Secretaria de Estado chega perfeitamente.

E não, não esquece os governos de Cavaco, que também inclui nas estatísticas.

A minha não muito humilde opinião é que as boas teorias dos economistas (de todos os quadrantes) esbarram muitas vezes na realidade, que tem muito mais variáveis do que as que eles podem tentar controlar.

Filipe Tourais disse...

O sucesso desse tipo de literatura está em reproduzir os mitos que povoam o imaginário da grande maioria e, dessa forma, em lisonjear o ego do leitor, que fica a sentir-se intelectualmente inchado ao ler o que ele próprio poderia ter escrito.

Quando li a palavra "realidade" no seu comentário, lembrei-me deste artigo., quer por desmontar três desses mitos, quer pela frase "Não importa quanta evidência empírica de sentido contrário você possa encontrar, nunca poderá convencer os fiéis desses dogmas.".

Gi disse...

Obrigada pelo link, Filipe, e por ter a gentileza de discutir com uma leiga interessada.

Sobre os mitos em causa:

#1: concordo, e diria provado pela evidência, que deixar os mercados (ou a economia, se quiser) funcionar sem um regulador não é boa ideia, porque a avidez (greed) humana parece não ter limites; no entanto não lhe parece que o regulador deve ser independente do fornecedor, e por conseguinte dever o Estado regular, mas não nacionalizar?

#2: concordo que as remunerações dependem das relações de poder; no entanto não pode negar-se que, não sendo directamente proporcionais à produção, dela dependem por via da capacidade de pagar das empresas. Sendo certo que os sindicatos nasceram para defender o membro mais fraco da equação, não deveriam estar atentos ao contexto alterado e ser capazes de negociar, e não apenas de exigir?

#3: quanto a os Estados não funciorem exactamente como as famílias ou as empresas, aí já não sei: para uns como para outras, o endividamento é possível enquanto os credores não exigem o pagamento.
De resto, a criação de moeda é uma solução perigosa por poder levar à hiper-inflação, e o lançamento de impostos tem como limite a ruína das famílias e das empresas ou, numa economia globalizada, a fuga das empresas e do capital para outras áreas geográficas.

Finalmente, no caso específico português, não temos dinheiro e ou aceitamos as regras de quem no-lo empresta ou não o recebemos. Isto significa, para quem puder, emigração, e para quem não puder, fome.

Acha que estou mesmo enganada?