domingo, 26 de fevereiro de 2012

Er... nani

Ontem, sábado, foi dia de Ernani, na transmissão MetLive in HD para a Fundação Gulbenkian. Para esta ópera fui praticamente virgem, tendo apenas lido a história e nunca tendo ouvido, que soubesse, uma ária sequer. A verdade é que não fiquei encantada, apesar dos coros verdianos e de algumas árias notáveis. Foi engraçado reconhecer diversos trechos e soluções musicais que Verdi reciclou em óperas posteriores (La Traviata, Rigoletto...).

A encenação do já falecido Pier Luigi Samaritani é muito clássica, como é hábito no Met, com uns cenários grandiosos que, como a realização cinematográfica mostrou, dão uma trabalheira a montar e a mudar. A direcção musical foi de Marco Armiliato, que não me empolgou; mas a função da orquestra, numa ópera, pode ser acompanhar os cantores e dar pouco nas vistas - não? O coro, que segundo parece andou a ensaiar aos bochechos, portou-se bem, particularmente no terceiro acto.

Em relação aos cantores secundários não tenho comentários, mas quanto aos principais, começo pelo protagonista, que foi uma desilusão. Temos visto tenores fantásticos nestas transmissões, de Alagna a Calleja a Kaufmann, e este Marcello Giordani tem uma voz feia, agreste, que pode chegar onde deve mas não apetece voltar a ouvir. A soprano Angela Meade, em Elvira, foi decididamente belcantista, tem voz e técnica e, penso, possibilidades de progredir. Soou sempre metálica, mas como noutras ocasiões não sei se o é realmente ou é um problema da transmissão. Emagrecer era capaz de lhe fazer bem: estou convencida de que, para uma cantora, não há vantagem nenhuma em ser obesa, já que obriga os músculos respiratórios a um trabalho muito maior* e, do ponto de vista cénico, também complica a vida.

Don Carlo, rei de Espanha, foi cantado pelo barítono Dmitri Hvorostovsky, um menino querido do público do Met, a quem basta aparecer e produzir uns sons bonitos para receber uma ovação, mas que me pareceu frio e inexpressivo. É certo que a direcção de cena foi, para os principais, completamente inexistente. É triste hoje em dia ver cantores prantarem-se de frente para o público e não terem qualquer interacção em palco, como foi por exemplo o caso do confronto entre Ernani e Carlo, de espadas na mão, a ladrarem mútuas ameaças sem a mínima convicção nem o mínimo movimento.
No meio disto tudo brilhou como Silva Ferruccio Furlanetto, que é um senhor, cantou lindamente e passou as emoções todas que lhe competiam, paixão, orgulho, decepção, raiva. Não faço ideia se ainda tem voz para encher o Met porque, mais uma vez repito, a amplificação altera a realidade, mas é uma voz muito bonita e distinta.

Afinal nem tudo o que vem do Met é ouro, mas a próxima temporada, apresentada num dos intervalos, traz mais uma série de transmissões a não perder.


* Sei que há quem não concorde comigo (o Paulo, por exemplo), mas estou convencida de que a perda de qualidade da voz de alguns sopranos famosos que emagreceram teve mais a ver com o desgaste e a passagem dos anos do que com a perda de peso.

4 comentários:

Fanático_Um disse...

Também estive na Gulbenkian e concordo totalmente com a sua apreciação, Gi. Furlanetto foi, indiscutivelmente, o melhor, é um Senhor e a sua voz ainda enche por completo o Met (pelo menos enchia no ano passado).
Cumprimentos.

Paulo disse...

Mais uma vez não pude ir ao Met.

Quanto ao emagrecimento de cantores e das respectivas vozes, mantenho. Não acho que eles devam ser obesos, calma. O que penso é que curas de emagrecimento rápido tendem a condicionar a vocalidade e exigem um esforço suplementar, um novo trabalho técnico, porque a voz perde o apoio muscular a que estava habituada. Esse esforço pode provocar um enorme desgaste vocal (baseio-me em opiniões que li e em documentários sobre o tema).
Acredito ainda que grandes vozes dramáticas só existem quando há um corpo robusto que as sustente. Brünnhildes e Turandots magrinhas não há.

mfc disse...

Aprecio a forma empenhada e empolgada como falas do teu hobby musical!
Beijinhos.

Gi disse...

FanaticoUm, folgo em saber :-)

Paulo, aí já concordo contigo: o emagrecimento rápido tem problemas, e é preciso robustez. O que me parece é que há cantores a confundir robustez com gordura.

Mfc, é esse o sinal dos hobbies: entusiasmarem :-) Bjs.