Tenho a impressão que as óperas barrocas não estão tão em moda nos Estados Unidos como na Europa; de contrário o Met programá-las-ia com frequência, e só me lembro da Rodelinda, que de vez em quando é posta em cena com Renée Fleming na protagonista e a cuja transmissão em Dezembro passado teria ainda assim de boa vontade assistido, se a Fundação Gulbenkian a tivesse contratado.
Mas talvez o apetite americano seja estimulado por esta fantasia que foi The Enchanted Island, um pasticcio, ou seja uma colagem de pedaços de música de Händel, Vivaldi, Rameau, Purcell e outros, servindo um libretto moderno, inspirado em duas comédias de Shakespeare, The Tempest e A Midsummer Night's Dream, e que foi projectada em diferido no sábado passado.
Em primeiro lugar devo dizer que a encenação de Phelim McDermott é divertida, movimentada, que os cenários e os figurinos são bonitos, ricos e muito bem conseguidos, na linha da arte fantástica de um Nick Bantok ou, se quisermos, de Hyeronimus Bosch, e que a direcção de orquestra de William Christie conseguiu fazer fluir toda aquela manta de retalhos sem que por um momento se notassem as costuras.
No elenco destaco Joyce DiDonato, perfeita como sempre, na maturidade do seu talento e domínio técnico, entrando declaradamente na brincadeira com o gesto extravagante mas sem nunca baixar o nível da sua arte. David Daniels foi uma presença poderosa e sobretudo uma belíssima voz. Danielle de Niese surpreendeu-me positivamente, sem subtilezas mas muito engraçada em palco e saindo-se muito bem na coloratura da última ária, Can you feel the Heavens are reeling, originalmente a acrobática Agitata da due venti de Vivaldi que continua sem dúvida a pertencer a Cecilia Bartoli. Placido Domingo pareceu-me ter algumas dificuldades, talvez acrescidas por ter de cantar em inglês. Reencontrei Luca Pisaroni que me tinha deixado muito boa impressão a cantar o Leporello do Don Giovanni em Novembro passado, e fez um Caliban notável, se esquecermos a transcrição da ária Gelido in ogni vena, transformada em Mother, my blood is freezing.
Estiveram muito bem igualmente os outros cantores, em papéis em que puderam brilhar individualmente e em conjunto. Até gostei do bailado do segundo acto, eu que raramente acho os bailados oportunos em ópera.
Do que gostei menos? Talvez do libretto de Jeremy Sams, que fugia ao espírito barroco, parecendo ignorar que ali as árias valem pela música e que as variações e ornamentações devem ser feitas sobre uma estrutura literária simples, ou não fosse uma das peças mais extraordinárias da época construída sobre dez palavras apenas: Ombra mai fù/ Di vegetabile/ Cara ed amabile/ Soave più. Mas vou agora ali reler Shakespeare, não vá dar-se o caso de me estar a queixar do texto inexpurgado do Bardo...
Mas talvez o apetite americano seja estimulado por esta fantasia que foi The Enchanted Island, um pasticcio, ou seja uma colagem de pedaços de música de Händel, Vivaldi, Rameau, Purcell e outros, servindo um libretto moderno, inspirado em duas comédias de Shakespeare, The Tempest e A Midsummer Night's Dream, e que foi projectada em diferido no sábado passado.
Em primeiro lugar devo dizer que a encenação de Phelim McDermott é divertida, movimentada, que os cenários e os figurinos são bonitos, ricos e muito bem conseguidos, na linha da arte fantástica de um Nick Bantok ou, se quisermos, de Hyeronimus Bosch, e que a direcção de orquestra de William Christie conseguiu fazer fluir toda aquela manta de retalhos sem que por um momento se notassem as costuras.
No elenco destaco Joyce DiDonato, perfeita como sempre, na maturidade do seu talento e domínio técnico, entrando declaradamente na brincadeira com o gesto extravagante mas sem nunca baixar o nível da sua arte. David Daniels foi uma presença poderosa e sobretudo uma belíssima voz. Danielle de Niese surpreendeu-me positivamente, sem subtilezas mas muito engraçada em palco e saindo-se muito bem na coloratura da última ária, Can you feel the Heavens are reeling, originalmente a acrobática Agitata da due venti de Vivaldi que continua sem dúvida a pertencer a Cecilia Bartoli. Placido Domingo pareceu-me ter algumas dificuldades, talvez acrescidas por ter de cantar em inglês. Reencontrei Luca Pisaroni que me tinha deixado muito boa impressão a cantar o Leporello do Don Giovanni em Novembro passado, e fez um Caliban notável, se esquecermos a transcrição da ária Gelido in ogni vena, transformada em Mother, my blood is freezing.
Estiveram muito bem igualmente os outros cantores, em papéis em que puderam brilhar individualmente e em conjunto. Até gostei do bailado do segundo acto, eu que raramente acho os bailados oportunos em ópera.
Do que gostei menos? Talvez do libretto de Jeremy Sams, que fugia ao espírito barroco, parecendo ignorar que ali as árias valem pela música e que as variações e ornamentações devem ser feitas sobre uma estrutura literária simples, ou não fosse uma das peças mais extraordinárias da época construída sobre dez palavras apenas: Ombra mai fù/ Di vegetabile/ Cara ed amabile/ Soave più. Mas vou agora ali reler Shakespeare, não vá dar-se o caso de me estar a queixar do texto inexpurgado do Bardo...
4 comentários:
Não vi, Gi, preferi não ver. Acredito totalmente na qualidade dos cantores (que admiro) e da encenação, mas não gosto de pastiches, ainda menos de pastiches americanos. É sempre um bocado Cleopatra de Cecil de Mille.
Quanto mais não vale uma peça autêntica !!!
Também nunca me senti muito entusiasmado por esta ilha encantada e acabei por não ir ao Met. (Por outro lado, ando pouco barroco.)
Foi, de facto, um espectáculo interessante, mas ouvir belissimas árias barrocas, algumas cheias de dramatismo, cantadas em tom jocoso e em inglês foi algo que não consegui "ultrapassar". Para mim Joyce DiDonato brilhou acima de todos os outros, mas a constelação era de primeira grandeza.
Mas concorto totalmente consigo, Gi, a Rodelinda teria sido muito mais apetecível.
Mário, é preciso entrar no espírito da coisa :-) Mas valia mais, valia. Mesmo musicalmente fazia mais sentido.
Paulo, quanto a andar mais ou menos barroco, são fases...
FanaticoUm, expressou muito bem um desconforto que na altura não consegui definir: a alteração do texto das árias mudou muitas vezes a carga emocional da música.
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