quarta-feira, 20 de junho de 2012

Don Giovanni em Bordéus

Quem é que se lembra de ir à Ópera a Bordéus?
Eu, naturalmente. Porque tinha uns dias de férias previstos para agora, porque o A. tinha vontade de ouvir um Don Giovanni ao vivo e eu descobri uma produção com Teddy Tahu Rhodes no protagonista; mesmo com os bilhetes esgotados, talvez se conseguisse - como de facto aconteceu - lugares com má visibilidade, que ao intervalo foi possível trocar.

Bordéus é uma cidade muito bonita, aberta para o rio Garonne, com excelente arquitectura de finais do século XVIII e diversas comunidades étnico-culturais. Lá iremos. Para começar, quero falar da ópera.

(Bordeaux, Junho 2012)

O Grand Théatre tem fachada neoclássica, entrada e escadaria imponentes, em mármore, e uma sala que parece mais pequena do que é na realidade. A encenação, criada em 2002 por Laurent Laffargue, trata o Don como um personagem hiperactivo, para quem o sexo, mais do que sensualidade, é necessidade, e que por isso força mais do que seduz. O cenário é minimalista, com paredes brancas que mudam de posição e são redefinidas pelos próprios cantores/actores. Figurinos e props situam a acção nos anos vinte do século passado.

Da Orchestre National Bordeaux Aquitaine e da direcção de Mikhail Tatarnikov, só posso dizer que estiveram muito bem, apoiando os cantores e servindo a maravilhosa música de Mozart. Na cenas do baile e do jantar, os músicos tocaram no palco, dirigidos do fosso pelo maestro.

Teddy Tahu Rhodes esteve excelente, vocal e cenicamente. Tem um daqueles sotaques cerrados dos antípodas, mas a voz é potente, bonita, comparável a um bom vinho do Médoc - e também lá iremos noutro post. Tem uma belíssima figura que encenador algum se pode dar ao luxo de não aproveitar, e Laffargue não se contentou em fazê-lo mostrar os famosos abdominais, armou-lhe mesmo uma cena de travestismo de que ele se saiu muito bem. Como não encontro vídeos desta encenação, ei-lo na ária Fin ch'han del vino cantada em Sidney no ano passado:


O baixo-barítono Kostas Smoriginas, lituano e não grego como o nome poderia sugerir, foi um valente Leporello. Tem uma voz menos rica do que Rhodes, mas esteve sempre muito bem e foi um prazer ouvi-lo.

O tenor Ben Johnson (Don Ottavio) e a soprano Jacquelyn Wagner (Donna Anna) pareceram-me mudar do primeiro para o segundo acto, o que pode ter explicações várias, incluindo eu ter trocado de lugar. Ambos têm vozes bonitas, afinadas e claras. A dele é pequena e perde-se um tanto nos duetos e conjuntos. A dela, ao longo do espectáculo, pareceu-me tornar-se menos excitante em termos de cor. Já a Donna Elvira de Mireille Delunsch me deixou fria pelos agudos gritados mais do que cantados. Sébastien Parotte e Khatouna Gadelia foram respectivamente Masetto e Zerlina. O baixo Eric Martin-Bonnet foi, no comendador, o mais fraco em cena: no início o desafio ao presumido violador da filha pareceu um convite para um café. Talvez por isso a estátua não tenha aparecido no final, sendo substituída por uma mocinha despida (a morte??) enquanto a voz era difundida por colunas de som. Mesmo assim, e com o Don a suicidar-se possivelmente devido a cefaleias insuportáveis, o clima de terror da música de Mozart impôs-se e Laffargue prescindiu do final moralista de Praga - para mim, confesso, uma opção sempre de apoiar.

No meio de tudo isto, encontrei um daqueles detalhes que me deliciam, embora provavelmente não sejam novidade para mais ninguém. Desta vez foi a descoberta de uma ária à maneira de Händel, em que nunca tinha reparado. Ei-la por Joyce DiDonato:

6 comentários:

Paulo disse...

O Rhodes, em vez de neo-zelandês, podia quase ser grego.

Adiante: aconselha-se a visita ao sítio da "produção" e passar as imagens em revista até chegar ao barihunk travestido, já que da fama (de barihunk, bem entendido) ele não se livra.

Gi disse...

Paulo, tomaram os gregos.
A propósito, o Leporello foi igualmente travestido (aliás parecia um alter ego do Don, e talvez fosse essa a ideia).

Paulo disse...

"Regietheater", como manda a lei.

Fanático_Um disse...

Aqui está um teatro de ópera onde nunca fui. Ainda bem que gostou, a sua descrição Gi é, como sempre, muito apelativa. Muito obrigado pela partilha.

Mário R. Gonçalves disse...

Eram "Cento in Francia", segundo Il Catalogo.

Alguma seria em Bordeaux, certamente...

Ainda bem que valeu a pena, Gi. Tomo nota, sei lá se aí vou um dia.

Gi disse...

Fanático_Um, Mário, a programação da próxima temporada já está online. As óperas não me dizem nada, mas há alguns recitais e concertos interessantes.