segunda-feira, 19 de maio de 2014

Barcelona assombrada

Trouxe de Barcelona um romance já com alguns anos de Carlos Ruiz Zafón em relação ao qual tinha ouvido dizer maravilhas: La Sombra del Viento. Acabei de o ler há dois ou três dias, e eis em resumo a minha impressão: é um romance gótico anacrónico salvo à justa pelo humor.

Tem todos os ingredientes da tragédia macabra do século XIX na senda de Edgar Allan Poe ou, mais apropriadamente, de Ponson du Terrail: as casas em ruínas e as famílias decadentes, o tempo frio, negro e chuvoso, o homem sem rosto, as meninas de aspecto angelical, os amores impossíveis, as mortes crudelíssimas, e mesmo uma suspeita de fantasmagoria. Se no princípio a biblioteca labiríntica me apareceu como uma referência desajeitada a Borges, logo reforçada pela cegueira do primeiro objecto amoroso do protagonista, a partir de certa altura encontrei-me num mundo irmão do de Rocambole*, com a devida distância de uns milhares de quilómetros entre Paris e Barcelona e de mais de meio século de diferença temporal.

O autor, que vive em Los Angeles e escreve guiões para cinema, detalha itinerários precisos na sua cidade natal, mas o que acho particularmente conseguido é a criação da atmosfera sinistra. Há imensas mortes pelo caminho, e se não fossem as reflexões filosóficas do sem-abrigo resgatado e transformado em sidekick-com-anjo-da-guarda do herói, aquelas quinhentas e tal páginas deixariam qualquer um à beira do Prozac.


*de cujas aventuras li vários volumes quando ainda era adolescente.

10 comentários:

Fanático_Um disse...

Não sei se foi por estes dias que regressou de Barcelona, Gi. Eu estive lá na passada semana. Tive pela primeira vez a oportunidade de visitar o complexo modernista do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau. Caso não tenha tido oportunidade de ver (abriu ao público há poucas semanas), recomendo vivamente. É mais uma obra impressionante de Domènech i Montaner.

Gi disse...

Fanático_Um, estive lá em Março passado. Não vi o Hospital, mas estive no Palau de la Musica Catalana, que ainda não conhecia, e que também achei impressionante.
Ainda não tive vontade de escrever sobre esse passeio, talvez o faça nos próximos dias.

luisa disse...

Esse foi o único livro que li do autor. E fiquei agarrada a ele, não descansando enquanto não cheguei à última linha. :)

Fanático_Um disse...

Sim, o Palau é fabuloso! Emocionei-me quando nele entrei pela primeira vez, já lá vão uns anitos. Não estava nada à espera e, como não tinha feito o trabalho de casa, a surpresa foi total.
Fico na expectativa do relato desse seu passeio. Como sempre acontece quando os leio aqui, ou me fazem reviver experiências agradáveis, ou me despertam a curiosidade para algo que não conheço, ou me fazem querer voltar a lugares onde estive mas que, leio aqui, não vi/vivi na sua plenitude.

Catarina disse...

Tb li este livro (o segundo) deste autor. Gostei. Diferente.

Comecei hoje um de Donna Tartt, “A História Secreta” , autora de “The Goldfinch”, que continua na lista dos best sellers do The New York Times.

Paulo disse...

Conta, Gi. Mas não à maneira do Tuíta. Queremos os detalhes.

Gi disse...

Luisa, a partir de certa altura do livro, também fiquei agarrada para saber como iria desembrulhar-se aquela trama.

Gi disse...

Fanático_Um, é muito gentil.
Eu também não tinha grandes conhecimentos sobre o Palau e fiquei encantada.

Gi disse...

Catarina, não conhecia a autora, e The Goldfinch só do seu post sobre o quadro de Fabritius, mas já andei a investigar :-)

Gi disse...

Paulo, como vês, já comecei a contar.