segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Fausto no S. Carlos

Se nos convencermos de que vivemos no lugar mais periférico da Europa e de que o Teatro de S. Carlos é um teatro de província onde hoje em dia não vêm cantar as vozes de ouro da ópera, as expectativas quando lá vamos baixam drasticamente e não saímos tão frustrados.

Não me desagradou esta encenação do Fausto, ao contrário por exemplo do que me disseram o Paulo e o Joaquim, porque na sua fealdade parece acentuar a questão central desta história, que é a mesquinhez dos preconceitos sociais e religiosos do pequeno mundo de Marguerite - já que Fausto e o seu pacto com o diabo são só um ponto de partida.

Quanto aos intérpretes, não estiveram mal. No papel de Fausto gostei do tenor Andrej Dunaev, que tem uma voz bonita, o que já me tinha parecido no único clip que encontrei dele no YouTube. Como actor, não soube dar distinção ao seu personagem, e talvez fosse exagero o tremor senil do primeiro acto, mas não me pareceu nada mal em tronco nu em casa de Marguerite :-) Tem, como os outros, um francês horrível.

Kevin Short em Mephistophélès compôs um mano trocista e gingão, um diabo que parece não se levar a sério mas na cena da igreja com Marguerite revela o seu carácter infernal. Pareceu-me haver algum esforço no Veau d'Or.

Patrizia Biccirè começou mal mas foi melhorando; a ária das jóias não passou da (tal) mediania mas no terceto final superou-se. Infelizmente, e não sei se por culpa dela se do encenador, a sua Marguerite não tinha graça nem encanto.

Em relação aos secundários, reparo que Kristina Wahlin, que fez um tímido Siébel, será a Agrippina de Händel em Abril: espero para ver.

E depois disto tudo alguém sabe o que se passa com o website do S. Carlos, onde desde ontem não se consegue entrar? Será vergonha?

6 comentários:

Paulo disse...

Achei muito feia a cenografia e o guarda-roupa e a Marguerite pode ter-se ressentido desse aspecto. Estava muito desfavorecida. E que sentido faz pô-la a calçar um par de galochas para mudar as flores de um vaso para outro? Este é um dos muitos aspectos que me pareceram ridículos, embora não seja dos mais importantes. Talvez uma encenação clássica tornasse as personagens mais credíveis e envolventes, uma vez que alguns cantores não são maus. Não ultrapassam a mediania mas cantaram, no dia em que os ouvi, certinhos, apesar de uns momentos difíceis de Kevin Short e da voz muito feia de "Valentin". O que me faltou foi envolvimento e chama.

Joaquim Vintem disse...

De facto, não partilho do entusiasmo da Gi quanto à encenação, pois, por acção (por exemplo, a cena do regresso dos soldados, após uma batalha, entre muitos outros....) e por omissão (a supressão das cenas de bailado, que constituem a parte musical mais conhecida desta ópera), achei a mesma abaixo de medíocre.
Subscrevo o que diz sobre os intérpretes, a que poderia acrescentar um mau desempenho do cantor que desempenhou Valentin, realmente muito fraco.
No fim de tudo, achei mesmo que o melhor foi o coro - o que é habitual no "actual" S. Carlos -, tendo sido de muito alto nível a cena da igreja!
JGV

Unknown disse...

Gostei

Gi disse...

Concordo que às vezes os encenadores têm umas ideias que na prática não resultam bem.

Joaquim, os militares, coitados, pareciam não passar duma milícia. Mas confesso que em geral dispenso os bailados nas óperas (*baixando a cabeça para não apanhar com um sapato*).

Paulo, talvez as roupas da Marguerite possam ter funcionado melhor com a cantora para quem foram pensadas na produção inicial, mas a Biccirè, infelizmante, não tem graciosidade para as suportar. A cena das galochas é realmente uma patetice.

Portugalnet, ainda bem que gostou, mas de quê?

Joaquim Vintem disse...

Volto ao "Fausto"...o bailado faz parte da obra integral e, tendo sido, de acordo com os meus registos, a 7ª representação que vi da mesma (incluindo aqui récitas em Viena, Londres, Paris e Sevilha),foi a primeira vez que deparei com semelhante corte...claro que deverão ter sido aspectos orçamentais que levaram a tal, mas isto não pode acontecer!

Há, de facto, uns quantos encenadores novos e cheios de ideias... por isso detestei representações que vi, em 2008, de "A Dama de Espadas" e "Os Contos d'Hoffmann"... Com tantas ideias que até se esqueceram em cena do pobre Valentin, morto após o duelo... mau gosto, não?...

Já agora, sempre direi que de entre aquelas sete representações do "Fausto", aquela que mais retenho na memória, foi em Lisboa, nos anos 80: Alfredo Kraus, Zuleika Saque e Álvaro Malta!!!

JGV

Gi disse...

Joaquim, claro que tem razão, se eu conhecesse bem o Faust provavelmente também me quaixaria da falta do bailado.

Mau gosto, mas mesmo mau, foi o abuso da pobre cabeça de Pompeu no Giulio Cesare em Sevilha.