No sábado passado foi a vez da transmissão directa do Parsifal a partir do Met para a Gulbenkian.
Quando o maestro Daniele Gatti começou a abertura de forma lentíssima, pensei: Isto vai correr mal. Por muito bonita que seja a música de Wagner, seis horas aqui dentro é difícil aguentar. Ao pé de mim, houve quem dormisse no primeiro acto e quem dormisse no segundo. A sala, no terceiro, tinha quase mais clareiras que floresta.
O que me leva directamente à encenação e à cenografia. Li algures que a tese do encenador François Girard é trazer a história para o presente ou para um futuro próximo, não faço ideia com que argumento. Assim, Montsalvat torna-se um ermo pós-apocalíptico sob um céu de tempestade. Quando Gurnemanz diz que é meio-dia, é mais um artigo de fé, porque não se nota a diferença.
O jardim de Klingsor é mais rebuscado, porque atravessado por um rio de sangue, em que toda a gente mais cedo ou mais tarde se banha. Sangue de quem? De Amfortas? De Cristo? Das mulheres?
Em todo o caso, simbólica e despida, parada, mesmo feia, é uma encenação que não contradiz a intenção do compositor, o que já não é mau. E foge ao óbvio: se Klingsor tem ar de dono de bordel ordinário, as raparigas-flores estão longe de parecer prostitutas rascas: pelo contrário, são encantadoras, vozes cristalinas e corpos graciosos numa coreografia delicada. Quase irresistíveis.
Irresistível é a música, e como foi bem cantada! René Pape foi um Gurnemanz impecável, a voz sem quebras num papel extensíssimo (vá lá, tem todo o segundo acto para descansar) e a combinação certa de emoção e distanciamento para o homem que faz, de certa maneira, a ponte entre os cavaleiros do Graal e o resto da humanidade, mantendo o bom-senso e a esperança. Peter Mattei foi uma revelação como Amfortas: uma voz lindíssima, potente (ah, mas como afirmá-lo, se as vozes do Met vêm amplificadas?), com uma força dramática extraordinária a transmitir o sofrimento do chefe dos cavaleiros.
O segundo acto é a moldura para o dueto de Parsifal e Kundry. Mas antes do dueto surge o maléfico Klingsor, interpretado por Evgeny Nikitin, com as tatuagens cobertas, a voz apenas menos apetitosa por comparação com as outras.
Katarina Dalayman fez uma Kundry muito interessante, transformando a bruxa associal (na malvadez de Kundry só Kundry acredita) do primeiro acto na mulher madura e tentadora do segundo. É um belíssimo soprano com uma voz substancial. Achei magnífica a sua passagem por todas as variantes da tentação. Quanto ao Parsifal de Jonas Kaufmann, que dizer, se eu me tornei já há tempos totalmente fã dele, da sua voz e da sua entrega em palco? Acabei o segundo acto sem fôlego.
O problema é que já tive muita dificuldade em aguentar o terceiro acto. Toda aquela espiritualidade me deixou indiferente, odiei a peruca que Kaufmann teve de usar, perguntei-me porque tinha a missa de se transformar num rito não cristão enquanto a Kundry passava a Madalena - em resumo, distraí-me com quase tudo e não consegui apreciar o fundamental. Se, como é provável, sair um DVD, sou capaz de ouver este último acto sozinho, e tentar então saboreá-lo.
Quando o maestro Daniele Gatti começou a abertura de forma lentíssima, pensei: Isto vai correr mal. Por muito bonita que seja a música de Wagner, seis horas aqui dentro é difícil aguentar. Ao pé de mim, houve quem dormisse no primeiro acto e quem dormisse no segundo. A sala, no terceiro, tinha quase mais clareiras que floresta.
O que me leva directamente à encenação e à cenografia. Li algures que a tese do encenador François Girard é trazer a história para o presente ou para um futuro próximo, não faço ideia com que argumento. Assim, Montsalvat torna-se um ermo pós-apocalíptico sob um céu de tempestade. Quando Gurnemanz diz que é meio-dia, é mais um artigo de fé, porque não se nota a diferença.
O jardim de Klingsor é mais rebuscado, porque atravessado por um rio de sangue, em que toda a gente mais cedo ou mais tarde se banha. Sangue de quem? De Amfortas? De Cristo? Das mulheres?
Em todo o caso, simbólica e despida, parada, mesmo feia, é uma encenação que não contradiz a intenção do compositor, o que já não é mau. E foge ao óbvio: se Klingsor tem ar de dono de bordel ordinário, as raparigas-flores estão longe de parecer prostitutas rascas: pelo contrário, são encantadoras, vozes cristalinas e corpos graciosos numa coreografia delicada. Quase irresistíveis.
Irresistível é a música, e como foi bem cantada! René Pape foi um Gurnemanz impecável, a voz sem quebras num papel extensíssimo (vá lá, tem todo o segundo acto para descansar) e a combinação certa de emoção e distanciamento para o homem que faz, de certa maneira, a ponte entre os cavaleiros do Graal e o resto da humanidade, mantendo o bom-senso e a esperança. Peter Mattei foi uma revelação como Amfortas: uma voz lindíssima, potente (ah, mas como afirmá-lo, se as vozes do Met vêm amplificadas?), com uma força dramática extraordinária a transmitir o sofrimento do chefe dos cavaleiros.
O segundo acto é a moldura para o dueto de Parsifal e Kundry. Mas antes do dueto surge o maléfico Klingsor, interpretado por Evgeny Nikitin, com as tatuagens cobertas, a voz apenas menos apetitosa por comparação com as outras.
Katarina Dalayman fez uma Kundry muito interessante, transformando a bruxa associal (na malvadez de Kundry só Kundry acredita) do primeiro acto na mulher madura e tentadora do segundo. É um belíssimo soprano com uma voz substancial. Achei magnífica a sua passagem por todas as variantes da tentação. Quanto ao Parsifal de Jonas Kaufmann, que dizer, se eu me tornei já há tempos totalmente fã dele, da sua voz e da sua entrega em palco? Acabei o segundo acto sem fôlego.
O problema é que já tive muita dificuldade em aguentar o terceiro acto. Toda aquela espiritualidade me deixou indiferente, odiei a peruca que Kaufmann teve de usar, perguntei-me porque tinha a missa de se transformar num rito não cristão enquanto a Kundry passava a Madalena - em resumo, distraí-me com quase tudo e não consegui apreciar o fundamental. Se, como é provável, sair um DVD, sou capaz de ouver este último acto sozinho, e tentar então saboreá-lo.
4 comentários:
Gi, o terceiro acto merece que o volte a "ouver" pois foi o melhor. Também não gostei nada da encenação no 2º acto. Os cantores foram excelentes, não obstante a amplificação vocal que cada vez me perturba mais.
O Joaquim já tem o I acto disponível.
Fanático_Um, "ouverei" :-)
Paulo, talvez então tenha o terceiro em breve.
Outra coisa: comecei este post na terça-feira mas só acabei de pôr as ligações ontem e no aparelho que estou a usar não consegui acertar a data :-o
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