sábado, 8 de março de 2008

Melros e pardalitos

Gosto de melros. Há dois anos nasceram dois no meu jardim; um deles saiu do ninho precocemente e apareceu-me à porta, a olhar-me muito espantado, cinzento sarapintado, nem percebi de início que espécie de pássaro era. Dali a pouco entrou em casa e perdeu-se, num pânico, enquanto eu tentava guiá-lo para a saída. Foi direito à piscina e caiu lá dentro: tive de o pescar.

(Albufeira, Maio 2006)

Andou uns dias por aqui, assustadíssimo, a correr de arbusto em arbusto até conseguir voar.

Estava com medo que, tendo tido de cortar a palmeira, os melros não voltassem este ano, mas aí estão eles, todos contentes a petiscar de manhã e à tarde. Os pardais também páram por aqui, mas esses visitam-nos o ano inteiro, e tomam banho no cinzeiro onde ponho água para eles.

Fotografá-los é que é complicado. Enquanto foco e disparo já eles voaram para outro lado.

Há um poema famoso de Catullo, sobre um passarinho que morreu - mas também é possível que não seja sobre passarinhos. The birds and bees, and all that jazz. Aqui vai:

Lugete, o Veneres Cupidinesque
et quantumst hominum venustiorum!
passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa oculis suis amabat:
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem
nec sese a gremio illius movebat,
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat.
qui nunc it per iter tenebricosum
illuc, unde negant redire quemquam.
at vobis male sit, malae tenebrae
Orci, quae omnia bella devoratis:
tam bellum mihi passerem abstulistis.
o factum male, o miselle passer,
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli.


(Chorai, oh Vénus e Cupidos
e tudo o que os homens acham belo!
Morreu o pardal da minha miúda,
o pardal que era o deleite da minha miúda,
que ela amava mais que os próprios olhos:
era doce e conhecia-a
tão bem como uma menina conhece a mãe
e não se mexia do colo dela,
mas saltitando aqui e ali
só para a sua dona chilreava
quem agora vai para a viagem tenebrosa
de onde dizem que ninguém regressa.
Sede amaldiçoadas, crueis trevas
do Orco, que tudo o que é belo devorais:
assim me roubastes o lindo pardal.
Oh feito cruel, oh pobre pardal,
agora por obra tua da minha miúda
avermelham a chorar os olhitos inchados. )


G. V. Catullus,
Carmina, III

1 comentário:

Alvaro Santos Pereira disse...

Não é à toa que uma das canções mais bonitas do jazz se chama "Bye Bye Black Bird"...