Se mal conheço a Manon Lescaut de Puccini, a de Massenet então era-me quase totalmente alheia, não fora a famosa cena das meias entre Anna Netrebko e Roberto Alagna.
A encenação de Laurent Pelly transmitida este sábado do Met para os cinemas e para a Gulbenkian, tem sexo e violência qb para o público daquela casa: numerosos beijos entre os protagonistas, uma cena de cama na sacristia com um padre de batina entre as pernas de uma cortesã, e uma outra em que esta é espancada pelos guardas prisionais. A ideia desta última não era má: só os maus tratos eventualmente sofridos na prisão podem na realidade explicar a morte de Manon, sempre saudável durante os quatro actos anteriores. E se o Hotel de Transylvanie fosse mostrado como uma tasca onde a ilicitude do jogo e da prostituição fossem evidentes, em vez de um local onde alguns endinheirados gastam com displicência dinheiro e tédio, ter-se-ia percebido a razão por que ela foi presa. Mas isto é uma encenadora de poltrona a falar, porque de resto a coisa esteve até muito bem, tirando partido da comicidade e do drama e contando a história fielmente, ainda que cenários e figurinos contivessem alguns anacronismos.
A música de Massenet só me cativou ao terceiro acto, depois dos dois primeiros que achei uma seca. A orquestra do Met teve a direcção de Fabio Luisi, de quem aprecio mais uma vez delicadeza e a agilidade. Mas o melhor de tudo foram os dois cantores principais, Anna Netrebko acima de tudo, que continuo a achar uma cantora e actriz magnífica, com um registo grave muito bonito, agudos muito seguros e pianissimi fantásticos. Ainda por cima, pareceu-me mais magra, embora não propriamente magra.
Piotr Beczala, no Chevalier des Grieux, também esteve muito bem; é um tenor que conheço pouco, mas de cuja voz e elegante presença em palco gostei: penso que vale a pena ouvi-lo mais vezes. Entre os papéis secundários, distingo o barítono Paulo Szot (Lescaut) e o tenor Christophe Mortagne (Guillot) que optou, ele ou o encenador, por manter sempre o registo cómico, e da voz do baixo David Pittsinger (Des Grieux père), embora achasse este último fraco cenicamente. Ao baixo-barítono Bradley Garvin (Brétigny), pedir-lhe-ia para ter umas aulas de francês, embora na realidade só o francês Mortagne pudesse prescindir delas.
As meninas de Guillot saíram-se bem, o coro e a orquestra lindamente, o ballet estupendo, o clarinetista sem defeito.
Em resumo, uma boa récita para uma obra que está longe dos meus planos rever num futuro próximo.
A encenação de Laurent Pelly transmitida este sábado do Met para os cinemas e para a Gulbenkian, tem sexo e violência qb para o público daquela casa: numerosos beijos entre os protagonistas, uma cena de cama na sacristia com um padre de batina entre as pernas de uma cortesã, e uma outra em que esta é espancada pelos guardas prisionais. A ideia desta última não era má: só os maus tratos eventualmente sofridos na prisão podem na realidade explicar a morte de Manon, sempre saudável durante os quatro actos anteriores. E se o Hotel de Transylvanie fosse mostrado como uma tasca onde a ilicitude do jogo e da prostituição fossem evidentes, em vez de um local onde alguns endinheirados gastam com displicência dinheiro e tédio, ter-se-ia percebido a razão por que ela foi presa. Mas isto é uma encenadora de poltrona a falar, porque de resto a coisa esteve até muito bem, tirando partido da comicidade e do drama e contando a história fielmente, ainda que cenários e figurinos contivessem alguns anacronismos.
A música de Massenet só me cativou ao terceiro acto, depois dos dois primeiros que achei uma seca. A orquestra do Met teve a direcção de Fabio Luisi, de quem aprecio mais uma vez delicadeza e a agilidade. Mas o melhor de tudo foram os dois cantores principais, Anna Netrebko acima de tudo, que continuo a achar uma cantora e actriz magnífica, com um registo grave muito bonito, agudos muito seguros e pianissimi fantásticos. Ainda por cima, pareceu-me mais magra, embora não propriamente magra.
Piotr Beczala, no Chevalier des Grieux, também esteve muito bem; é um tenor que conheço pouco, mas de cuja voz e elegante presença em palco gostei: penso que vale a pena ouvi-lo mais vezes. Entre os papéis secundários, distingo o barítono Paulo Szot (Lescaut) e o tenor Christophe Mortagne (Guillot) que optou, ele ou o encenador, por manter sempre o registo cómico, e da voz do baixo David Pittsinger (Des Grieux père), embora achasse este último fraco cenicamente. Ao baixo-barítono Bradley Garvin (Brétigny), pedir-lhe-ia para ter umas aulas de francês, embora na realidade só o francês Mortagne pudesse prescindir delas.
As meninas de Guillot saíram-se bem, o coro e a orquestra lindamente, o ballet estupendo, o clarinetista sem defeito.
Em resumo, uma boa récita para uma obra que está longe dos meus planos rever num futuro próximo.
11 comentários:
Nunca vi a Manon ao vivo e sempre que tentei vê-la na TV adormeci, pelo que só conheço uns bocados e, francamente, dispenso-os.
A cena das meias fez-me lembrar o que disse o Joaquim sobre a Netrebko:
"La línia que separa la sensualitat de l’obscenitat és molt fina i jo vull creure que Anna Netrebko no ho té gaire clar i per això tot sovint passa la línia o potser sempre es manté en la part més obscena i la seva Manon esdevé massa explícita i vulgar."
Paulo, eu não tenho termo de comparação para a Manon da Netrebko, porque nunca vi nenhuma outra. Mas acredito pouco que uma miúda de dezasseis anos transformada em prostituta, ainda que cara, fosse muito sofisticada.
E eu não a vi mesmo, só conheço os pedaços disponíveis no YT. Ainda assim, tendo a concordar com o Joaquim. As outras Manons que vi (Fleming, Dessay, Freni), embora aos bocados, não tinham o ar vulgar que esta tem. Do mesmo modo que nunca vi as Manons de Puccini (a mesma história contada de outra maneira) passarem a tal linha ténue, e essas conheço bem. Mas eu também sou encenador de poltrona, está bom de ver.
E o mundo não estará a tornar-se todo ele mais vulgar?
Está. Mas temos de tornar vulgar toda a arte por causa disso? Para condizer com o Mundo?
Não, mas temos de admitir que encenadores e intérpretes fazem parte do mundo ;-)
Outra coisa: estou farta de "dar oportunidades" à ópera francesa mas não há maneira de ela não me aborrecer.
Outra coisa ainda: estive a ler a crítica do Joaquim, e ele notou umas fífias da Netrebko que eu não ouvi. Devia estar a olhar para o vestido ;-)
Ou para o despido...
(O Hugo Santos também referiu alguma falha no Fanáticos da Ópera. Não vi, não ouvi, não sei.)
Quanto à ópera francesa, também ela geralmente me aborrece. Excluindo duas enormes e honrosas excepções, "Werther" e "Pelléas et Mélisande", poucas óperas francesas me interessam. Talvez seja uma falha a colmatar com alguma surpresa ou alguma interpretação que me deixe rendido.
Confesso que não consigo ser imparcial com a Netrebko. Tive o privilégio de ver esta ópera (mesma encenação) ao vivo, em Londres, há 2 anos, também com a Netrebko, e fiquei deslumbrado.
Rever na Gulbenkian, apesar de ser em HD e não ao vivo, foi novamente uma experiência muito gratificante. Para mim a Netrebko não tem rival neste papel, muito ao seu jeito. E que bem acompanhada esteve com Beczala! É impossível ouvir melhor nos tempos que correm.
E, como com tantas outras coisas, com o tempo, aprende-se a gostar da música da Manon de Massenet (e da Manon Lescuat de Puccini).
Paulo, nessa cena era mesmo vestido, o que está no vídeo deste post.
FanaticoUm, eu gosto bastante da Netrebko e espero ouvê-la ao vivo num dia não demasiado distante.
E quanto às Manons, acredito que sim, que a familiaridade com a música faça apreciá-las mais: bis repetita placent, não é? :-)
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