quinta-feira, 19 de março de 2009

Da cultura da celebridade

Uma das coisas em que o mundo mais mudou nos últimos cinquenta anos foi na maneira de viver o tempo. Os ritmos de trabalho tornaram-se alucinantes, as horas que restam são para o trajecto entre a casa e o trabalho, dorme-se o mínimo e não há tempo para se gozar o dinheiro que se ganha.

Por isso a nossa capacidade de atenção é reduzida, e os quinze minutos de fama de Warhol chegam-nos perfeitamente. As notícias, para o serem, têm de ser bombásticas e os desmentidos são irrelevantes.

Isto a propósito do suposto retrato de Shakespeare anunciado há uma ou duas semanas. Que interessa aos jornais tradicionais que este retrato não se pareça nada com nenhuma das duas figurações fidedignas do escritor? Ou que interessa que o esqueleto encontrado em Éfeso não tenha nada que o identifique como o da irmã de Cleópatra, ou que o busto pescado em Arles não seja sequer parecido com as moedas de César?

A quem interessa, por outro lado, avançar estas pseudo-identificações? Aos jornais, mas infelizmente, e isto também diz muito acerca da nossa cultura actual, sobretudo aos historiadores, cientistas e outros estudiosos. Porque assim podem esperar além do reconhecimento warholiano, um financiamento para estudar um achado relacionado com o Divino Júlio, mas quem lhes assegura uma bolsa para limpar o rosto de Caius Ignotus?

Ara di Cesare

(Aedes Divi Iulii, Forum Romanum, Roma, Março 2009)

2 comentários:

Paulo disse...

É verdade, Gi. E quem lê os desmentidos ou as emendas quando alguém repara o erro? Quanto ao suposto retrato de Shakespeare, parece-me difícil saber se ele era de facto o que lá está. Houve tema de conversa e os peritos teorizaram sobre o assunto. Lembra-me uma outra questão, algo anedótica, sobre a autoria das obras de Shakespeare: terá sido mesmo ele que as escreveu ou alguém em nome dele?

Gi disse...

Ah, sim, Paulo, lembro-me dessa dúvida sobre a autoria das obras de Shakespeare: parece que agora está tudo de acordo que são mesmo dele.

Já de Terêncio também diziam que não tinha sido ele a escrever as comédias mas sim Cipião Emiliano ou Lélio.

Quanto ao retrato, se bem percebi, alguém achou que era de Shakespeare por ser parecido com outro que se sabe ter sido alterado para parecer que era de Shakespeare...