domingo, 22 de abril de 2012

Rigoletto em Londres

Algumas críticas eram devastadoras: uma encenação cansada, um tenor vaidoso e espalhafatoso, uma orgia inicial parva. Parecia salvar a situação o facto de toda a gente cantar muito bem e, apesar de tudo, não é isso que mais importa quando se vai à ópera?

Com as expectativas baixas, ainda para mais tendo comprado bilhetes de banco (os melhores lugares na Royal Opera House têm preços que não me disponho a pagar), encontrei-me sentada a um lado, perto e ligeiramente acima do nível do palco, quase sobre a orquestra, com visão e audição total do que se passava em cena.

E foi assim: a encenação de David McVicar é naturalista, directa, sem conceptualismos nem simbolismos senão o de não adoçar a pílula: a festa inicial é uma orgia para que se entenda o nível de depravação geral no qual Rigoletto é conivente com um horror desesperado que vamos perceber em seguida, tornando toda a história plausível para um público do século XXI habituado a cenas explícitas. As crianças que assistiam não devem ter ficado perturbadas com o que perceberam nem com o que não perceberam. Claro que toda aquela movimentação distrai da música, mas esta não era uma versão de concerto.

O cenário é simples e negro, como afinal a história, numa plataforma giratória que o muda entre cenas e que era bom, acho eu, que girasse mais depressa.

A música é o que é: na minha opinião, uma das três óperas que não têm um momento aborrecido. A orquestra da ROH esteve muito bem dirigida por John Eliot Gardiner, que deu espaço aos cantores sem retirar a vivacidade à partitura. Os solos de violoncelo que acompanham as árias de Rigoletto foram de uma doçura extrema.

No papel principal esteve Dimitri Platanias, que foi o Posa do Don Carlo em Outubro passado no S. Carlos; na altura achei que tinha uma voz bonita e limitações cénicas, e agora confirmei-o, mas ouvia-se muito melhor desta vez - se calhar pelo lugar em que eu estava. Como Rigoletto, a voz de Platanias transmitiu a raiva e o desespero, assim como a ternura paternal. Bem diferente do último Rigoletto a que assisti ao vivo.

Ekaterina Siurina foi uma excelente Gilda, com uma voz bem timbrada e retratando bem a um tempo a inocência e a malícia de uma adolescente apaixonada. Vittorio Grigolo tem sido atacado pela sua vaidade e superficialidade, mas achei-o muito bem num Duca amoral e cruel, para cujo papel tem uma belíssima e potente voz. Só dispensava uma ou duas ornamentações que penso que Verdi não terá escrito. Gostei muito da Maddalena de Christine Rice, e o quarteto foi perfeito (melhor que no video).

Bem igualmente Matthew Rose como Sparafucile e Zhengzhong Zhou como Marullo, assim como a portuguesa Susana Gaspar na condessa Ceprano. Mais fraco o Monterone de Gianfranco Montresor, sem voz nem ira para uma maldição credível.

Talvez tudo isto seja pouco para quem vive em Londres e tem como certa a sua riqueza cultural. Para mim, foi uma alegria.

8 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Ah Gi, que temporada bem escolhida ! Concordo consigo sobre o Rigoletto, talvez o meu Verdi favorito, sobretudo o terceto...

Que tal Gardiner a dirigir? não o conheço em Verdi.

Que bom! teve uma ideia de férias parecida com a minha: curiosamente, tenho uma temporada em Londres marcada para Junho, com concertos (Philarmonia/Haitink, LSO/Davis), teatro no Globe, bailado na ROH... a Gi antecipou-se, eu espero ao menos ter um tempo soalheiro.

Depois de Kaufmann e Verdi/Gardiner/McVicar, que mais vem aí? :)

Paulo disse...

Também gosto muito do quarteto, se bem que o "Rigoletto" não seja das minhas óperas preferidas de Verdi. E parece que a Susana Gaspar está a iniciar uma boa carreira em terras de Sua Majestade. É bom saber.

Fanático_Um disse...

Também vi este Rigoletto ao vivo no início do mês e gostei. Embora globalmente concorde consigo, Gi, fiquei mais entusiasmado com o Platanias e menos com o Grigolo. Mas a récita foi outra, o que pode justificar algumas diferenças.

Gi disse...

Mário, não estou a ver qual o terceto a que se refere.
Eu gostei da direcção de Gardiner, sempre atento aos cantores, seguro na sua relação com a orquestra e paciente com as mudanças de cenário...
Desejo-lhe umas excelentes férias londrinas com sol, eu apanhei chuva mas mesmo assim consegui uns passeios pelos parques.
Por agora a minha temporada acabou, a não ser que ainda consiga ir a Barcelona. Mas já estou a estudar a próxima ;-)

Gi disse...

Paulo, o papel é pequeno mas a Susana Gaspar deu boa conta de si, fiquei contente.

Gi disse...

Fanático_Um, devo ter-me explicado mal: não fiquei propriamente entusiasmada com o Grigolo, mas como ia apreensiva, fiquei aliviada. Acho que ele tem uma voz boa e potente, embora banal, e que esteve bem para o papel.

Quanto ao Platanias, é um bocado pesado e a sua movimentação em cena é limitada, mas a voz é de facto bonita e, ao contrário do que aconteceu no S. Carlos, desta vez ouvi-o bem. É cantor que eu gostaria de voltar a encontrar.

Mário R. Gonçalves disse...

Gi,

o Paulo já me corrigiu.

É o quarteto "Bella figlia dell'amore".

Gi disse...

Mário, pensei que me falhava alguma coisa :-)