Algumas críticas eram devastadoras: uma encenação cansada, um tenor vaidoso e espalhafatoso, uma orgia inicial parva. Parecia salvar a situação o facto de toda a gente cantar muito bem e, apesar de tudo, não é isso que mais importa quando se vai à ópera?
Com as expectativas baixas, ainda para mais tendo comprado bilhetes de banco (os melhores lugares na Royal Opera House têm preços que não me disponho a pagar), encontrei-me sentada a um lado, perto e ligeiramente acima do nível do palco, quase sobre a orquestra, com visão e audição total do que se passava em cena.
E foi assim: a encenação de David McVicar é naturalista, directa, sem conceptualismos nem simbolismos senão o de não adoçar a pílula: a festa inicial é uma orgia para que se entenda o nível de depravação geral no qual Rigoletto é conivente com um horror desesperado que vamos perceber em seguida, tornando toda a história plausível para um público do século XXI habituado a cenas explícitas. As crianças que assistiam não devem ter ficado perturbadas com o que perceberam nem com o que não perceberam. Claro que toda aquela movimentação distrai da música, mas esta não era uma versão de concerto.
O cenário é simples e negro, como afinal a história, numa plataforma giratória que o muda entre cenas e que era bom, acho eu, que girasse mais depressa.
A música é o que é: na minha opinião, uma das três óperas que não têm um momento aborrecido. A orquestra da ROH esteve muito bem dirigida por John Eliot Gardiner, que deu espaço aos cantores sem retirar a vivacidade à partitura. Os solos de violoncelo que acompanham as árias de Rigoletto foram de uma doçura extrema.
No papel principal esteve Dimitri Platanias, que foi o Posa do Don Carlo em Outubro passado no S. Carlos; na altura achei que tinha uma voz bonita e limitações cénicas, e agora confirmei-o, mas ouvia-se muito melhor desta vez - se calhar pelo lugar em que eu estava. Como Rigoletto, a voz de Platanias transmitiu a raiva e o desespero, assim como a ternura paternal. Bem diferente do último Rigoletto a que assisti ao vivo.
Ekaterina Siurina foi uma excelente Gilda, com uma voz bem timbrada e retratando bem a um tempo a inocência e a malícia de uma adolescente apaixonada. Vittorio Grigolo tem sido atacado pela sua vaidade e superficialidade, mas achei-o muito bem num Duca amoral e cruel, para cujo papel tem uma belíssima e potente voz. Só dispensava uma ou duas ornamentações que penso que Verdi não terá escrito. Gostei muito da Maddalena de Christine Rice, e o quarteto foi perfeito (melhor que no video).
Bem igualmente Matthew Rose como Sparafucile e Zhengzhong Zhou como Marullo, assim como a portuguesa Susana Gaspar na condessa Ceprano. Mais fraco o Monterone de Gianfranco Montresor, sem voz nem ira para uma maldição credível.
Talvez tudo isto seja pouco para quem vive em Londres e tem como certa a sua riqueza cultural. Para mim, foi uma alegria.
Com as expectativas baixas, ainda para mais tendo comprado bilhetes de banco (os melhores lugares na Royal Opera House têm preços que não me disponho a pagar), encontrei-me sentada a um lado, perto e ligeiramente acima do nível do palco, quase sobre a orquestra, com visão e audição total do que se passava em cena.
E foi assim: a encenação de David McVicar é naturalista, directa, sem conceptualismos nem simbolismos senão o de não adoçar a pílula: a festa inicial é uma orgia para que se entenda o nível de depravação geral no qual Rigoletto é conivente com um horror desesperado que vamos perceber em seguida, tornando toda a história plausível para um público do século XXI habituado a cenas explícitas. As crianças que assistiam não devem ter ficado perturbadas com o que perceberam nem com o que não perceberam. Claro que toda aquela movimentação distrai da música, mas esta não era uma versão de concerto.
O cenário é simples e negro, como afinal a história, numa plataforma giratória que o muda entre cenas e que era bom, acho eu, que girasse mais depressa.
A música é o que é: na minha opinião, uma das três óperas que não têm um momento aborrecido. A orquestra da ROH esteve muito bem dirigida por John Eliot Gardiner, que deu espaço aos cantores sem retirar a vivacidade à partitura. Os solos de violoncelo que acompanham as árias de Rigoletto foram de uma doçura extrema.
No papel principal esteve Dimitri Platanias, que foi o Posa do Don Carlo em Outubro passado no S. Carlos; na altura achei que tinha uma voz bonita e limitações cénicas, e agora confirmei-o, mas ouvia-se muito melhor desta vez - se calhar pelo lugar em que eu estava. Como Rigoletto, a voz de Platanias transmitiu a raiva e o desespero, assim como a ternura paternal. Bem diferente do último Rigoletto a que assisti ao vivo.
Ekaterina Siurina foi uma excelente Gilda, com uma voz bem timbrada e retratando bem a um tempo a inocência e a malícia de uma adolescente apaixonada. Vittorio Grigolo tem sido atacado pela sua vaidade e superficialidade, mas achei-o muito bem num Duca amoral e cruel, para cujo papel tem uma belíssima e potente voz. Só dispensava uma ou duas ornamentações que penso que Verdi não terá escrito. Gostei muito da Maddalena de Christine Rice, e o quarteto foi perfeito (melhor que no video).
Bem igualmente Matthew Rose como Sparafucile e Zhengzhong Zhou como Marullo, assim como a portuguesa Susana Gaspar na condessa Ceprano. Mais fraco o Monterone de Gianfranco Montresor, sem voz nem ira para uma maldição credível.
Talvez tudo isto seja pouco para quem vive em Londres e tem como certa a sua riqueza cultural. Para mim, foi uma alegria.
8 comentários:
Ah Gi, que temporada bem escolhida ! Concordo consigo sobre o Rigoletto, talvez o meu Verdi favorito, sobretudo o terceto...
Que tal Gardiner a dirigir? não o conheço em Verdi.
Que bom! teve uma ideia de férias parecida com a minha: curiosamente, tenho uma temporada em Londres marcada para Junho, com concertos (Philarmonia/Haitink, LSO/Davis), teatro no Globe, bailado na ROH... a Gi antecipou-se, eu espero ao menos ter um tempo soalheiro.
Depois de Kaufmann e Verdi/Gardiner/McVicar, que mais vem aí? :)
Também gosto muito do quarteto, se bem que o "Rigoletto" não seja das minhas óperas preferidas de Verdi. E parece que a Susana Gaspar está a iniciar uma boa carreira em terras de Sua Majestade. É bom saber.
Também vi este Rigoletto ao vivo no início do mês e gostei. Embora globalmente concorde consigo, Gi, fiquei mais entusiasmado com o Platanias e menos com o Grigolo. Mas a récita foi outra, o que pode justificar algumas diferenças.
Mário, não estou a ver qual o terceto a que se refere.
Eu gostei da direcção de Gardiner, sempre atento aos cantores, seguro na sua relação com a orquestra e paciente com as mudanças de cenário...
Desejo-lhe umas excelentes férias londrinas com sol, eu apanhei chuva mas mesmo assim consegui uns passeios pelos parques.
Por agora a minha temporada acabou, a não ser que ainda consiga ir a Barcelona. Mas já estou a estudar a próxima ;-)
Paulo, o papel é pequeno mas a Susana Gaspar deu boa conta de si, fiquei contente.
Fanático_Um, devo ter-me explicado mal: não fiquei propriamente entusiasmada com o Grigolo, mas como ia apreensiva, fiquei aliviada. Acho que ele tem uma voz boa e potente, embora banal, e que esteve bem para o papel.
Quanto ao Platanias, é um bocado pesado e a sua movimentação em cena é limitada, mas a voz é de facto bonita e, ao contrário do que aconteceu no S. Carlos, desta vez ouvi-o bem. É cantor que eu gostaria de voltar a encontrar.
Gi,
o Paulo já me corrigiu.
É o quarteto "Bella figlia dell'amore".
Mário, pensei que me falhava alguma coisa :-)
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