quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A Formiguinha e a Neve

Não há dúvida: a rede está cheia de surpresas, e a última foi descobrir que uma das histórias da minha infância faz parte das memórias de imensa gente. Interessante é que deve tratar-se de pessoal mais novo, das gerações sem trauma, porque ao contrário da minha versão, as outras têm final feliz.

Confrontando o que me lembro (praticamente o princípio) com o que encontrei por aí, a coisa era mais ou menos assim:


A Formiguinha e a Neve

Era uma vez uma formiguinha que andava a tratar da sua vida e ficou com o pé preso na neve, sem poder libertar-se. Aflita, pediu:
"Oh neve, que és tão forte, liberta o pé que me prendes!"
A neve respondeu: "Mais forte é o sol que me derrete."
E a formiguinha pediu: "Oh sol, que és tão forte, derrete a neve que o meu pé prende!"
O sol respondeu: "Mais forte é a nuvem que me tapa."
E a formiguinha pediu: "Oh nuvem que és tão forte, destapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
A nuvem respondeu: "Mais forte é o vento que me afasta."
E a formiguinha pediu: "Oh vento que és tão forte, afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O vento respondeu: "Mais forte é o muro que me pára."
E a formiguinha pediu: "Oh muro que és tão forte, não pares o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O muro respondeu: "Mais forte é o rato que me fura."
E a formiguinha pediu: "Oh rato que és tão forte, fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O rato respondeu: "Mais forte é o gato que me come."
E a formiguinha pediu: "Oh gato que és tão forte, não comas o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O gato respondeu: "Mais forte é o cão que me morde."
E a formiguinha pediu: "Oh cão que és tão forte, morde o gato que come o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O cão respondeu: "Mais forte é o pau que me bate."
E a formiguinha pediu: "Oh pau que és tão forte, não batas no cão que morde o gato que come o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O pau respondeu: "Mais forte é o fogo que me queima."
E a formiguinha pediu: "Oh fogo que és tão forte, queima o pau que bate no cão que morde o gato que come o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O fogo respondeu: "Mais forte é a água que me apaga."
E a formiguinha pediu: "Oh água que és tão forte, não apagues o fogo que queima o pau que bate no cão que morde o gato que come o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
A água respondeu: "Mais forte é o homem que me bebe."
E a formiguinha pediu: "Oh homem que és tão forte, bebe a água que apaga o fogo que queima o pau que bate no cão que morde o gato que come o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
O homem respondeu: "Mais forte é a morte que me leva."
E a formiguinha pediu: "Oh morte que és tão forte, não leves o homem que bebe a água que apaga o fogo que queima o pau que bate no cão que morde o gato que come o rato que fura o muro que pára o vento que afasta a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende!"
A morte não respondeu, e a formiguinha, que já estava ao frio há muito tempo, morreu.


Eu chorava a morte da formiguinha, mas pedia a história outra e outra vez.

5 comentários:

Catarina disse...

Não conhecia esta estória. Quando se está dependente dos outros…

Ludmila Ciuffi disse...

Temos essa história por aqui também, Gi, mas juro que não me lembro do final! Tive um colega de faculdade que desatava a contá-la nos intervalos de aulas massantes. Curioso como a memória opera!

Gi disse...

Catarina, e duma teia quase infindável... Parece a burocracia e os papéis que sempre faltam.

Ludmila, eu não me lembro de vários passos, mas sei que a formiguinha no fim morria.
A minha mãe diz que às vezes tentava convencer-me que afinal se salvava, mas eu não aceitava essas variantes...

FanaticoUm disse...

Gi, é um interessante regresso ao passado de alguns de nós. Muito obrigado.

Gi disse...

FanaticoUm, também faz parte do seu?