Seja-me permitido o desabafo.
Nesta terceira fase da República tem-se criado a ideia de que o sistema corporativo é uma invenção maléfica do Estado Novo, que há que destruir de qualquer maneira para bem do povo.
As corporações são muito antigas. Em Roma eram conhecidas como collegia e agrupavam, como agora, profissionais do mesmo ofício ou outros colectivos de interesses. Tinham os seus regulamentos e promoviam a formação, valorização e protecção dos associados, incluindo até por vezes a realização dos respectivos funerais.
Na Idade Média foram as corporações as introdutoras do conceito de obra-prima, que na altura era o trabalho que o artesão executava perante o juízo corporativo para aceder ao grau de mestre, isto é, de chefe de projecto.
Eram, têm sido, uma forma de auto-regulação das colectividades. A Ordem dos Médicos reune aqueles que estão autorizados, após formação adequada, a exercer medicina, e tem autoridade para repreender, suspender e até expulsar aqueles que entende, após processo de averiguações, não estarem a proceder correctamente.
Diz um ditado popular que de médico e de louco todos temos um pouco mas na realidade ninguém percebe nada de medicina a não ser os médicos, e é isso que assusta um bocado o comum dos mortais, embora eu não entenda porquê: ninguém percebe nada de engenharia a não ser os engenheiros, é deles que depende a nossa vida diária pois é segundo os seus cálculos que se constroem as casas, as estradas, as pontes, os carros, as máquinas que usamos todos os dias.
No entanto a culpa nunca é deles mas sempre dos médicos. O ano passado também foi dos professores, vá lá, mas já passou. Agora é outra vez dos médicos.
Vem este arrazoado a propósito de três notícias que hoje li em três jornais portugueses: o Diário de Notícias, o i e o Público.
Diz o DN que Falta de provas iliba médicos suspeitos de negligência: isto deveria significar que os médicos em causa estão inocentes, já que o DIAP de Lisboa investigou 63 casos de negligência médica em 2009 e concluiu que em 15 não havia prova para incriminar, mas não: o que se depreende é que o corporativismo médico os leva a não falar uns contra os outros e a dificultar o acesso aos processos clínicos e assim não se conseguem condenar.
Isto é dar a volta ao segredo médico e aos factos que a medicina não é uma ciência exacta e que nem os médicos nem os doentes são máquinas perfeitas, pelo que nem sempre as coisas correm bem apesar de se fazer o melhor que se sabe.
O i noticia que a Saída de médicos obriga a contratar aposentados, devido à corrida às reformas antecipadas dos médicos, esses mercenários (como lhes chama alguém nos comentários ao artigo) que deixam os serviços à beira do colapso para, aceitando reduções na reforma que chegam aos 50 e 60 por cento, irem ganhar a vida noutro lado.
Se calhar os médicos não se reformariam se tivessem melhores condições de trabalho. Ninguém parece lembrar-se que já não há praticamente clínica privada em Portugal, que os consultórios e clínicas vivem de contratos com as seguradoras e, até, com o Estado, e que a estratégia para a Saúde dos últimos governos tem sido, e é, e se calhar será, acabar discretamente com o Sistema Nacional de Saúde que lhe custa milhões, e dividir o mal entre as seguradoras, para quem tem dinheiro, e as Misericórdias, para os indigentes. O que até talvez nem esteja errado, mas não é assumido.
Finalmente a notícia do Público, que consegue ser a mais populista e ridícula das três: Governo preocupado por médicos não perguntarem a doentes se podem comprar medicamentos. A isto só há uma resposta possível, que é le mot de Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro de Portugal em 1975. Os médicos fazem aos doentes perguntas relacionadas com a sua situação clínica, e não com o saldo da sua conta bancária.
Quando três jornais nacionais, no mesmo dia, exibem notícias destas, a mim parece-me uma cabala muito negra ;-). Vão lá chatear o sr. Sousa e deixem os médicos trabalhar.
Nesta terceira fase da República tem-se criado a ideia de que o sistema corporativo é uma invenção maléfica do Estado Novo, que há que destruir de qualquer maneira para bem do povo.
As corporações são muito antigas. Em Roma eram conhecidas como collegia e agrupavam, como agora, profissionais do mesmo ofício ou outros colectivos de interesses. Tinham os seus regulamentos e promoviam a formação, valorização e protecção dos associados, incluindo até por vezes a realização dos respectivos funerais.
Na Idade Média foram as corporações as introdutoras do conceito de obra-prima, que na altura era o trabalho que o artesão executava perante o juízo corporativo para aceder ao grau de mestre, isto é, de chefe de projecto.
Eram, têm sido, uma forma de auto-regulação das colectividades. A Ordem dos Médicos reune aqueles que estão autorizados, após formação adequada, a exercer medicina, e tem autoridade para repreender, suspender e até expulsar aqueles que entende, após processo de averiguações, não estarem a proceder correctamente.
Diz um ditado popular que de médico e de louco todos temos um pouco mas na realidade ninguém percebe nada de medicina a não ser os médicos, e é isso que assusta um bocado o comum dos mortais, embora eu não entenda porquê: ninguém percebe nada de engenharia a não ser os engenheiros, é deles que depende a nossa vida diária pois é segundo os seus cálculos que se constroem as casas, as estradas, as pontes, os carros, as máquinas que usamos todos os dias.
No entanto a culpa nunca é deles mas sempre dos médicos. O ano passado também foi dos professores, vá lá, mas já passou. Agora é outra vez dos médicos.
Vem este arrazoado a propósito de três notícias que hoje li em três jornais portugueses: o Diário de Notícias, o i e o Público.
Diz o DN que Falta de provas iliba médicos suspeitos de negligência: isto deveria significar que os médicos em causa estão inocentes, já que o DIAP de Lisboa investigou 63 casos de negligência médica em 2009 e concluiu que em 15 não havia prova para incriminar, mas não: o que se depreende é que o corporativismo médico os leva a não falar uns contra os outros e a dificultar o acesso aos processos clínicos e assim não se conseguem condenar.
Isto é dar a volta ao segredo médico e aos factos que a medicina não é uma ciência exacta e que nem os médicos nem os doentes são máquinas perfeitas, pelo que nem sempre as coisas correm bem apesar de se fazer o melhor que se sabe.
O i noticia que a Saída de médicos obriga a contratar aposentados, devido à corrida às reformas antecipadas dos médicos, esses mercenários (como lhes chama alguém nos comentários ao artigo) que deixam os serviços à beira do colapso para, aceitando reduções na reforma que chegam aos 50 e 60 por cento, irem ganhar a vida noutro lado.
Se calhar os médicos não se reformariam se tivessem melhores condições de trabalho. Ninguém parece lembrar-se que já não há praticamente clínica privada em Portugal, que os consultórios e clínicas vivem de contratos com as seguradoras e, até, com o Estado, e que a estratégia para a Saúde dos últimos governos tem sido, e é, e se calhar será, acabar discretamente com o Sistema Nacional de Saúde que lhe custa milhões, e dividir o mal entre as seguradoras, para quem tem dinheiro, e as Misericórdias, para os indigentes. O que até talvez nem esteja errado, mas não é assumido.
Finalmente a notícia do Público, que consegue ser a mais populista e ridícula das três: Governo preocupado por médicos não perguntarem a doentes se podem comprar medicamentos. A isto só há uma resposta possível, que é le mot de Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro de Portugal em 1975. Os médicos fazem aos doentes perguntas relacionadas com a sua situação clínica, e não com o saldo da sua conta bancária.
Quando três jornais nacionais, no mesmo dia, exibem notícias destas, a mim parece-me uma cabala muito negra ;-). Vão lá chatear o sr. Sousa e deixem os médicos trabalhar.
3 comentários:
O provérbio não é "de génio e de louco todos temos um pouco"? :D
Goldfish, não conhecia essa versão, que infelizmente me parece ainda menos verdadeira.
Desde que se mantenha o "louco" para rimar com "pouco"... É tentativa-erro até sair algo um pouco mais acertado, que nenhuma das versões anteriores me parece muito razoável, não!
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